24 de outubro de 2022

Oi, como vai?



Há quase três anos atrás, em Dezembro de 2019, eu chegava em Toronto, no Canadá, para começar uma nova vida com minhas duas filhas e meu marido. Já falei aqui das dificuldades iniciais, da transição, do medo do fracasso, de ser demitida, de me achar uma incompetente. Mas a coisa mais simbólica para mim, sempre foi a minha primeira interação com as pessoas daqui.

Quando eu entro em uma loja, ou reunião, as pessoas perguntam: "Hi, how are you?" (Oi, como vai?). Quando eu cheguei, e por muito tempo depois, essa pergunta sempre me pegava desprevenida. Empolgada, brasileira, sempre na correria e na ansiedade, eu respondia: "Great!" (Estou ótima!)

Bom, por aqui, ninguém nunca está great. As respostas mais usuais e que todo mundo espera são "Not so bad, thank you, and you?" (Não estou mal, obrigada, e você?)  ou "Good, good, thank you. And you?" (Bem, bem, obrigada. E você?). Aí a primeira pessoa manda um "I'm good too, thank you. How can I help?" (Eu estou bem também, obrigada. Como posso ajudar você?").

Para estar great, tem que ter um motivo. Ganhou na loteria, nasceu uma criança, vai casar, ganhou promoção no emprego. Então, quando eu respondia great, a pessoa já me olhava interessada, esperando eu explicar o por que desta alegria toda. Aí eu emendava um "And you?" (E você?). 

A cara de confusão das pessoas era de dar dó. Porque elas não sabiam porque eu estava tão great, e elas não estavam great, então a resposta padrão de "eu também" não rolava. Ficava aquele silêncio esquisito, eu começava a falar de novo já pedindo o que queria, elas assumiam que eu sou meio maluca, e daí pra frente só piorava. Enfim, toda interação minha no Canadá começava com um mal entendido.


Sim, eu sei o que você estava pensando: Ana, só fala "Not so bad" e pronto. Parece fácil né? Mas cada interação esquisita gerava mais ansiedade para a próxima. Eu ficava me vigiando pensando: "Não fala great, fala not bad!" E adivinha o que saía? Great de novo. Mesmo eu não estando great, porque estava ansiosa, desesperada com o que eu tinha que resolver, sem entender nada, com medo de parecer rude.

E aí veio o COVID em Março de 2020, isso tudo foi para o online, piorou tudo, o mundo acabou, bom, você estava lá. Em Agosto de 2020 eu estava tendo crises de ansiedade paralisantes, chorava o dia inteiro. Eu não estava nada great, e comecei terapia semanal e a tomar CBD.

Hoje eu pedi alta da terapia. De Agosto de 2020 até Outubro de 2022, foram mais de dois anos de Terapia Humanista com o Luis Maciel, um profissional maravilhoso, que esteve do meu lado nas muitas trocas de emprego, nas minhas dúvidas sobre minha capacidade profissional e intelectual, na montanha russa emocional. O Luis me ouviu e me guiou por insights que me ajudaram a mudar, a aceitar e a entender o que eu quero e quem eu sou nesse novo mundo.

Durante estes dois anos, encontrei um trabalho que gosto e faço bem, descobri que tenho passatempos e alergia a glúten, minhas filhas foram adaptando à escola e aos novos amigos, meu marido foi tendo oportunidades de desafios incríveis no trabalho e voltou a correr meia maratonas. Mudar para cá foi a coisa mais difícil que eu já fiz na minha vida, quase me quebrou, mas eu dei conta.

Semana que vem daremos nossa primeira festa no Canadá. Os convidados são, na imensa maioria, brasileiros, imigrantes também. Achamos nossa comunidade aqui, e vamos celebrar o Halloween com eles. Me parece bem apropriado que seja uma festa celebrando o assustador, o medo, o estranho, com pessoas que sabem o que significa ter que passar por esta experiência.

Alguns deles estão aqui há muitos anos, alguns chegaram há meses. Todos nós tentando ajudar e ser ajudado, abrindo os braços e entendendo que tem dores que só o tempo vai curar, e tem aprendizados que só a vivência vai trazer. Mas que vai melhorar, e que o futuro existe.

E quando meus convidados chegarem, e me perguntarem como eu estou, vou poder finalmente responder: "Estou bem, obrigada. E você?"

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...