23 de abril de 2013

Maternar X Trabalhar: Um pedido de Paz

Paz entre as mães...
Esta semana minha irmã me mostrou três posts que discutem a onda de colocar as fotos de filhos como sua foto no Facebook.

O primeiro critica esta atitude, dizendo, em resumo, que esta é a derrota do feminismo, já que as mulheres estariam se identificando apenas como mães, ignorando todas as conquistas do feminismo. Igualando estas mulheres a pessoas sem identidade, desprovidas de ambição.

Os outros dois, um meio piegas e o outro meio irritado, defendem a honra e direito de ser mãe, uma tarefa sublime e uma das maiores (se não a maior) conquista de uma mulher.

Eu fico triste com todos eles. Esta guerra entre Maternar x Trabalhar é um caso clássico de economia, como eu aprendi em um livro divertidíssimo sobre teorias econômicas aplicadas à criação de filhos ("Parentonomics" de Joshua Gans). A idéia básica é esta: toda vez que duas escolhas opostas apresentam muitas vantagens e desvantagens, com opções complexas e cheias de variação, fica muito difícil decidir qual é a melhor escolha. Neste cenário, ao tomar a decisão, você acaba tendo que radicalizar as vantagens da sua escolha, ou as desvantagens da outra, para justificar a sua decisão.

No caso específico do Maternar x Trabalhar, cada mãe (e cada pai) vai ter que equilibrar seus valores, suas condições financeiras, seus talentos e o que é melhor para ela e sua família, e duas famílias nunca serão iguais.

Ao decidir trabalhar fora, tenho mais dinheiro, uma carreira cheia de conquistas e desafios estimulantes, não dependo do meu companheiro economicamente. Eu decido que não tenho talento para criar filhos em tempo integral. A maioria das pessoas assume isto automaticamente de todo homem. Que ele vai ser melhor trabalhando fora de casa do que cuidando das crianças. Uma mulher querer ser assim é meio um insulto. Ela tem que ser sem coração, fria e calculista, para fazer esta escolha. Homens do mundo inteiro fazem esta escolha todos os dias, e não são julgados negativamente por isto.

Do outro lado da moeda, vem a escolha de ficar em casa. Ao decidir estar com seus filhos em tempo integral, estou escolhendo fazer parte de momentos importantes da vida deles. Mais do que criá-los, irei conhecê-los, saber o que meu filho faz, come e gosta. A minha missão e maior conquista passa a ser meus filhos, e aí faz todo o sentido usar as fotos deles como meu perfil, afinal, eles são parte importante de quem sou mesmo.

Os dois lados tem vantagens e desvantagens. Mas a pressão para não errarmos em nossas escolhas, especialmente as relacionadas aos filhos, é enorme. Então a gente radicaliza. A turma do Maternar exagera a alegria obtida com a criação dos filhos e a importância da mãe no futuro do ser humano. A turma do Trabalhar exagera no prazer obtido com a carreira e minimiza a importância do trabalho doméstico. Todo mundo sai perdendo.

Para quem se dedica aos filhos, qualquer problema com eles (genético, comportamental), se torna um reflexo de quem a mãe é. Por exemplo, na reunião com a coordenadora pedagógica da escola da minha filha, ela começou me elogiando pela filha inteligente e líder que eu tinha. Respondi que isso era mérito dela, não meu. Ela: "Mas sem a criação de vocês, ela não seria assim, com certeza." Deixei passar. Logo em seguida, ela me contou das atitudes autoritárias que minha filha estava tendo com os colegas. Ela não disse diretamente, mas eu sabia que ela também achava que isto também era minha responsabilidade. Como já discuti em outro post, já ouvi a frase: "Hitler teve mãe", querendo por a culpa do Holocausto na pobre da mãe do Hitler, ignorando a personalidade dele, o momento histórico, enfim, tudo.

Ironicamente, a pressão em cima de quem decide trabalhar fora é a mesma! Se seu filho está com qualquer problema, é porque você não está sendo presente o suficiente. Quando eu e meu marido viajamos por uma semana, ao voltarmos, minha filha estava com dermatite atópica (provavelmente por nadar em piscina com cloro). Ouvi da pediatra (!!!) que o corpo dela estava reagindo à nossa falta. Trocamos de pediatra, usamos creme hidratante, e, em dois dias, ela estava ótima.

Então, minha proposta é a seguinte:  trégua. Ninguém mais vai criticar a escolha alheia. Se as mães de horário integral querem respeito pelo trabalho doméstico, as que trabalham fora vão apoiar. Se as que trabalham fora precisam de creches mais bem estruturadas e não serem acusadas de serem menos mulheres por isso, as mães de horário integral vão apoiar. Se todo mundo quer uma maior participação dos companheiros em ambos os casos, as mães de horário integral abrem este espaço que não precisa ser só delas, e as que trabalham fora valorizam os homens e mulheres que desempenham estes papéis.

E nossos filhos vão ter problemas. Não vão ser perfeitos, nem excelentes em tudo, nem a melhor coisa do mundo. Serão seres humanos, com personalidade própria, com escolhas e erros, com acertos e talentos. Parte disto será nossa responsabilidade, parte será responsabilidade do mundo, do momento histórico, do sorteio genético e das condições em que eles nasceram. Aceitá-los, amá-los e fazer o melhor possível por eles e por nós, mães de todos os tipos e escolhas, tem que ser o objetivo global.

Assim, todo mundo sai ganhando.

10 de abril de 2013

A fórmula da Criatividade

O cérebro criativo é melhor?
A escola da minha filha mais velha (Alice, 6 anos) fez a reunião de início do ano.
Eu, que sempre fui contra decoreba na escola, aprendi nesta reunião por que decorar algo não é realmente produtivo.
A diretora acadêmica da escola, em um show de apresentação, mostrou que a memorização é a etapa menos complexa do processo de aprendizagem, que, se bem desenvolvido, pode evoluir nos cinco estágios a seguir:
1) Memorização (decorar);
2) Entendimento (compreender);
3) Aplicação (utilizar o que foi compreendido em uma situação prática);
4) Análise crítica (avaliar, criticar, observar falhas e vantagens); e
5) Criatividade (melhorar, modificar, aplicar em áreas correlatas).

Achei fantástica esta descrição, pois hoje em dia, criatividade é superestimada. Parece que a criatividade por si só é considerada o traço de personalidade mais importante que alguém pode ter. Mais do que, por exemplo, a persistência, dedicação, ou paciência (considerados "chatos" ou "muito trabalhosos").

Os cinco estágios descritos mostram claramente que a criatividade é sim, o melhor que se espera em um processo de aprendizagem, mas que, para chegar lá, é necessário o esforço e dedicação dos outros quatro.

Ao dar aulas na faculdade, vejo meus alunos enfrentando este dilema diariamente. A geração voltada para o "eu" (em inglês, I, como em iPhone, iPod, iPad), para o resultado instantâneo (Instagram, Facebook, mensagens de texto), que tem sérias dificuldades em cumprir as fases do entendimento e da análise crítica. Idealmente, para estes alunos, a ordem seria: memorização -> aplicação -> criatividade.

Mas a criatividade não chega, pois as etapas evitadas fazem falta. Exemplos na mídia de garotos de 17 anos vendendo programas por milhões ou de como nem Mark Zuckerberg, nem BIll Gates ou Steve Jobs terminaram a faculdade tornam o conceito de trabalho árduo e recompensador muito distante.

O que os jornalistas não mencionam nestas histórias é que todas estas pessoas trabalharam MUITO durante MUITOS anos para desenvolver as habilidades formais que as permitiram chegar onde chegaram, como mostra o excelente livro "Fora de série - Outliers". Tenho certeza de que na hora de escolher um médico ou advogado, qualquer um de nós prefere alguém que se dedicou por anos a adquirir conhecimento formal do que alguém sem formação e "criativo".

Então porque o mito do trabalho criativo rápido, fácil e lucrativo é muito mais divulgado? Porque estamos em um mundo onde o sucesso pessoal é visto como reflexo de quem você é, independente do ambiente, de onde você começou, das oportunidades que teve. Se o Bill Gates pode, você também pode, é a mensagem. Mas não através do trabalho duro, e sim através de alguma característica pessoal (gênio, brilhante, criativo, iluminado). Acreditar que o sucesso depende da faculdade que você cursa, ou da qualidade da sua escola de primeiro grau, ou até mesmo da cor da sua pele, faria com que tivéssemos que exigir condições iguais para todos. Do jeito que está, é cada um por si, pois a POSSIBILIDADE de sucesso existe para todos (mesmo que PROBABILIDADE seja mínima). É o sonho de ganhar na loteria, com uma capa moderna.

Voltando à criatividade, ainda há a confusão entre:
1) a criatividade produtiva (aquela que resulta em produtos, vendas, melhorias tecnológicas) e  artística (que resulta em quebra de paradigmas, desafio das normas vigentes); e
2) a criatividade "porra louca" (uso de substâncias ilegais, quebra de leis, não enquadramento "no sistema").

Miró no começo (+-1920)
Miró (1968)
A criatividade que vem do processo bem desenvolvido de aprendizagem é a produtiva e artística. Quem já teve a chance de ver trabalhos iniciais de grandes artistas, como Miró, percebe que ele começou no "básico" e foram muitos, muitos trabalhos, antes de atingir o "avançado". Picasso, Monet, Van Gogh e todos os grandes artistas pintaram muita porcaria antes de serem capazes de ser realmente inovadores. Conhecer o clássico é a única forma de criar o moderno.

Mas a criatividade "porra louca", essa é fácil. E é a criatividade defendida pelos adolescentes, e, às vezes, propagandeada como a próxima onda de trabalhos. No Google, dizem, você pode jogar videogame no trabalho, cortar seu cabelo ou até lavar sua roupa. A idéia é que para fazer grandes produtos, é preciso ser criativo, e ser criativo é ficar à toa, brincando. Não me espanta que meus alunos de programação não queiram estudar. O que a maioria das pessoas não percebe é que estas pessoas fariam todas estas coisas em casa, após o horário de trabalho. Agora, as empresas fornecem todos estes serviços para que elas não saiam do escritório. Estas maravilhas para quem trabalha na Google não é para fazer os funcionários felizes, ociosos e criativos; é para que eles possam trabalhar mais, sem interrupção. E todos que estão lá, são extremanente competentes, com uma excelente formação profissional.

O que me lembra uma história famosa (não sei se verdadeira),  sobre o cara que inventou a super-aspirina (e ganhou um Nobel por isto). Dizem que ele rabiscou a fórmula da super aspirina quando estava tomando cerveja em um boteco. Perguntaram a ele se isso era verdade. Ele disse que sim. Perguntaram para ele como se fazia este tipo de descoberta no boteco. Ele respondeu: primeiro você faz seu curso superior na melhor universidade do mundo na área de bioquímica. Depois você faz seu mestrado em bioquímica nesta universidade, tendo um prêmio Nobel como orientador. Depois você faz seu doutorado na mesma universidade, tendo outros dois prêmio Nobel como orientador e co-orientador. Aí, você senta no boteco, pede a cerveja, e inventa a super-aspirina.

Precisamos de criatividade sim. Mas, para atingí-la, a fórmula é dedicação, paciência e trabalho árduo.

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...