5 de junho de 2015

Encontrando a paz... nos outros.

Eu gosto de livros de auto-ajuda.

Gosto do jeito simples de explicar uma ideia e repeti-la com diversos exemplos que você pensa: "puxa, eu sou/já fui assim". Gosto de fazer os exercícios no final dos capítulos e me sentir suuuper inteligente (sim, eles são feitos para você acertar todas as respostas e se sentir suuuuper inteligente).

Gosto de como, em cada um deles, eu acho uma oportunidade para aprender alguma coisa, e me tornar uma pessoa melhor.

Claro que tem livros e livros de auto-ajuda. Eu curto os sobre personalidade e relacionamentos: "Homens são de marte, Mulheres são de Vênus", "59 segundos", "Crianças francesas não fazem birra". Mas não gosto muito dos relacionados à carreira e dinheiro:"Os 10 hábitos das pessoas bem sucedidas", "Pai rico, filho pobre"(?), "Quem mexeu no meu queijo".

Meu marido nunca gostou. Ele prefere romances de 500 páginas e ficção, que eu também gosto, mas gosto de alternar algo "artístico" com algo mais leve e "pé no chão". Por isto, fiquei meio espantada quando ele me recomendou um livro de auto-ajuda: "Comunicação não-violenta" (Non-violent communication - versão em inglês para o Kindle aqui e versão em papel em português aqui).

A história começou quando eu estava reclamando com ele sobre um dos pontos de atrito que o nosso casamento tem (como todos).  Depois de 12 anos juntos, a gente se acostuma a um certo padrão de briga.

Quem nunca?
No nosso caso era:
- Eu reclamo de algo.
- Ele diz que não fez.
- Eu digo que fez sim, em um tom mais agressivo.
- Ele se justifica, dizendo que, se fez, a culpa de alguma forma foi minha ou de terceiros.
- Eu falo que ele fez mesmo, e que a culpa foi dele sim, já que quem devia ser responsável era ele. Se eu ou terceiros fizemos alguma coisa, ele devia ter lidado com a situação.
- Ele se cala.
- Eu continuo acusando ele e relembrando situações passadas onde isto aconteceu exatamente do mesmo jeito, cada vez mais frustrada e com raiva.
- Ele continua calado.
- Eu desisto de brigar, e saio de perto, chateada.
- Duas horas depois, ele volta pedindo desculpas, que eu aceito, mas saio com a sensação de que tudo vai acontecer de novo (e acontece).

Neste dia, depois que eu reclamei, ele me respondeu:
- Entendo o que você está sentindo. Você quer que eu não faça mais [motivo da reclamação] porque faz você se sentir ignorada. Para mim é difícil fazer isto quando estou fazendo outra coisa ao mesmo tempo. Mas vou tentar com mais atenção da próxima vez. Me desculpe.

Eu fiquei calada. Espantada. A raiva que eu estava sentindo sumiu. Minha vontade era perguntar:
- Quem é você e o que você fez com meu marido?

Eu tinha sido ouvida. Eu percebi que era difícil para ele, e consegui empatizar (afinal, eu estou casada com ele porque gosto dele, certo?). Ao invés de ficar com raiva dele, eu agora queria ajuda-lo. Por que é difícil? Tem algo que eu possa fazer para que não seja? Como nós dois podemos fazer funcionar?

Ao ver minha reação, ele também ficou impressionado. Me disse então que estava lendo o livro, que um amigo tinha indicado. Eu imediatamente fiquei curiosa. E comecei a ler.

Todos que me conhecem sabem que eu sou "enfática" nas minhas opiniões (esse é um jeito bem não-violento de falar que eu sou brigona). Que não consigo ouvir uma opinião que eu acho errada e deixar por isto mesmo. Que eu reclamo publicamente de piada racista, homofóbica ou sexista. Que eu compro briga com gente egoísta em aeroporto e mando carta para a escola por causa do fato do professor de educação física fazer sempre competições meninos x meninas. Que eu escrevo no meu blog reclamando de filme infantil. Bom, que eu tenho este blog.

Mas qual o meu objetivo com tudo isto? É brigar? Claro que não. É mostrar para as pessoas que elas estão erradas, e que deveriam fazer as coisas de outro jeito. E quase sempre isso não funciona. Nem um pouco. Na maioria das vezes, elas saem com raiva de mim, e com exatamente a mesma opinião, ou mais radicais ainda. Algumas vezes elas me tratam com condescendência ("não precisa levar isto tão a sério"). Algumas vezes ficam em silêncio. Raramente concordam comigo. Frustante. Irritante. Para mim é tão óbvio, por que eu não consigo mostrar para as outras pessoas???

E o resultado é que eu fico irritada boa parte do meu tempo. Quando eu não falo, fico irritada. Quando eu falo e a pessoa não concorda comigo eu fico irritada. Quando eu falo e a pessoa me trata como uma histérica, eu fico irritada. E aí eu comecei a achar a vida péssima. O tempo todo vendo como os outros estão "errados" e eu, sozinha na minha certeza absoluta. Horrível.

Então eu comecei a ler o livro. Nem tinha lido ele todo quando fui em uma reunião, e uma pessoa falou algo que me irritou profundamente. Achei insensível, fora de contexto. Saí da reunião cuspindo marimbondos. Cheguei em casa e escrevi um e-mail no jeito que estou acostumada. Provava para ela por A+B como ela tinha sido insensível e errada. No final, sobrou aquela sensação de "Acabei com ela". Me senti melhor? Nem um pouco. Sabia que a reação dela ia ser péssima, falando que eu que estava errada, que ela não tinha dito nada daquilo, que eu que estava entendendo tudo torto.

O livro fala que confundimos agressividade com razão. Achamos que para mostrarmos que estamos certos, precisamos falar alto, acusar, destruir o argumento do outro. Somos acostumados à uma ideia de que duas pessoas não podem estar certas e ter ideias diferentes, então, se estamos certos, o outro deve estar errado. E o jeito de mostrar isto é acusá-lo, atacá-lo, agredí-lo.  

Mas Gandhi diz que "Não-violência é a arma do forte". O livro, escrito pelo neto do Gandhi, explica que NVC (non-violent communication) consiste basicamente em (leia o livro, isto é só um resumo muito, muito limitado):
1) Empatizar com o seu interlocutor. Ou ele quer a mesma coisa que você e vai te ajudar, ou nem adianta comunicar. Se você já entrar na conversa achando que tem que "ganhar a discussão", ele vai plantar o pé do outro lado, e ninguém vai se mover da posição que começou.
2) Não critique, julgue ou acuse o outro. Assuma que todo mundo tem boa intenção, mas pode não ter as mesmas opiniões ou informações que você. Mesmo pessoas que tem ideias completamente opostas às suas podem ser boas, bem intencionadas e estar certas.
3) Fale sobre os seus sentimentos e o que você precisa que a outra pessoa faça de forma clara, sem exagerar, acusar ou chantagear. "Você foi agressiva demais" é péssimo. "Eu gostaria que você usasse outro exemplo para falar deste assunto pois eu me sinto desrespeitada quando você usa este exemplo" é bem mais palatável.

Apaguei tudo que escrevi, e comecei de novo. Um sentimento estranho tomou conta de mim. À medida que fui escrevendo, a raiva foi passando. Fui tentando ver pelo lado dela. Qual era o objetivo por trás da fala dela? Neste caso, era que conseguíssemos educar nossos filhos para que eles fossem responsáveis por eles mesmos e pelo mundo em que vivem. Eu consigo apoia-la neste objetivo. Nossos caminhos são diferentes, mas nosso objetivo é o mesmo. Eu comecei a pensar no que exatamente eu gostaria que ela não fizesse mais, e como eu me sentia a respeito. Me senti muito frágil, falando que estava mudando meu jeito de ser, e que queria tentar abrir uma ponte de diálogo com ela. Sabia que ela poderia responder o e-mail falando "problema seu", e seria doloroso, pois eu estava me expondo. Sabia que ela poderia nem responder o e-mail, e seria doloroso, pois eu me sentiria rejeitada ao me expor. Mas era melhor do que a raiva, muito melhor. Mandei.

No dia seguinte, ela me respondeu. Pela primeira vez, em cinco anos que convivemos, a resposta dela aos meus questionamentos foi positiva. Falou que sentia muito por ter sido agressiva sem notar, e que não usaria mais aquele exemplo. E que estava aberta para conversarmos sempre. Eu juro que ouvi coro de anjos dizendo "Aleluia". Essa deve ter sido a décima vez que eu batia de frente com ela, e todas as vezes tinham sido horríveis. Eu tinha uma raiva enorme desta pessoa. E, de repente, a raiva sumiu, e eu me senti próxima dela. Senti que podíamos conversar. Foi uma sensação muito, muito boa.

Isto tem dois meses. Neste tempo, decidi aplicar NVC a todos os momentos em que eu sentia raiva. Não funciona sempre, claro. Se eu beber álcool, então, fica muito mais difícil. Mas eu fui encontrando a paz. 

Quando alguém me fecha no trânsito, eu penso que talvez ele tenha um bom motivo para me cortar, que está com o filho gritando no banco de trás, que está estressado por causa de um problema de saúde na família, que está distraído por causa do telefone apitando a cada dois segundos. 

Quando alguém me critica, eu lembro que o que eu estou fazendo está incomodando aquela pessoa por motivos que são dela, não meus, e ela fica agressiva porque eu estou fazendo o que ela gostaria de fazer, mas não pode. Eu acolho o sentimento dela, ("Você acha que eu não deveria comer doce em plena terça-feira por que eu estou acima do peso? Eu estar fazendo isto faz com que você queira comer doce, mas você está de dieta, e isto te frustra?") e a raiva dela passa. A gente conversa sobre a pressão da sociedade para que estejamos sempre controlando o que comemos, e estamos do mesmo lado. 

Eu ouço um amigo que trabalha criando estratégias para vender cada vez mais, enquanto eu defendo um mundo com menos consumismo. Mas eu penso que ele quer promover seus gerentes, que vieram de família humilde, e que nunca tiveram acesso ao básico, que dirá ao supérfluo, e vejo que ele, também, quer um mundo melhor para todos. A gente conversa sobre como podemos evitar o desperdício na loja dele, e estamos do mesmo lado.

Bater de frente com alguém só vai gerar dor de cabeça. Mesmo pessoas com opiniões completamente diferentes das nossas também querem o mesmo. Ser felizes e queridas*. Comunicação violenta não resolve a vida de ninguém, não faz ninguém mudar de ideia, impede que você consiga o que quer e faz todo mundo se sentir muito mal. NVC talvez ajude. 

E eu sou, muito, muito mais feliz hoje.

--------
* PS.1: Um excelente documentário no Netflix, chamado "Happy" discute o que nos faz felizes. MUITO bom. Faz a gente repensar tudo, sobre como corremos atrás de coisas que deveriam nos fazer felizes, e não fazem, e ignoramos as que poderiam nos fazer felizes de verdade. Vi duas vezes no mesmo dia (uma sozinha, e outra em família).

PS.2: Este post foi publicado com o consentimento do meu marido, uma vez que estou contando publicamente como nossas discussões aconteciam. 


A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...