5 de abril de 2016

A casa com teto de vidro

Minha memória é péssima. Não no sentido de que eu esqueço coisas, e sim no sentido pior, em que eu esqueço a minha vida.

Escuto pessoas, como meu marido, falando que lembram da professora do jardim de infância, do primeiro dia de faculdade, de viagens, e morro de inveja. Sou viciada em fotografar e contar e recontar minhas histórias e em escrevê-las, porque este é o meu jeito de tentar não esquecer o que vivi. Sei que todas as minhas "histórias" e "memórias" hoje são baseadas em momentos que recontei tantas vezes que hoje me parecem reais. Quantos deles são, não sei mais.

Por isto, hoje, escrevo este post. Não quero esquecer este dia. Foi o dia que construí uma casa com teto de vidro no Minecraft com a Alice, que tem 9 anos. Ficamos três horas em frente ao computador, e, no final, no jantar, ela sorriu um sorriso acanhado e disse: "Hoje foi muito divertido." E eu respondi, honestamente: "Foi mesmo."

Por que isto é importante? Porque tem sido cada vez mais difícil eu e Alice nos divertirmos juntas. Ela sempre foi mais "física", e eu nunca brinquei muito destas coisas com ela. Juliano é o grande parceiro de brincadeiras dela. Ela sempre me chama para "brincar", mas eu nunca posso, ou não quero, ou acho a brincadeira meio perigosa ou entediante (às vezes perigosa E entediante, pode?). Estou quase sempre no celular, no carro, no trabalho, no computador.

Há dois dias, comprei o Minecraft por causa do trabalho (sim, tenho o melhor trabalho do mundo, dando aula de programação para crianças na Just CODING). Falei com ela, e disse, "Achei que você ia gostar de jogar comigo." Ela me jogou o balde d'água (vingança!!!): "Não tenho paciência para Minecraft".

Eu fiquei chateada. Achei que finalmente tinha achado um jogo que seria legal o suficiente para nós duas. Quando chegamos em casa, eu resolvi mostrar para ela o que já tinha aprendido. No começo, ela fez pouco caso: "Daqui a pouco buga tudo e você morre. Esse jogo é chato."

Aí, dali a pouco, bugou tudo, eu morri. Mas não desisti. Ela sentou do meu lado, e me deu o primeiro palpite: "Mata a galinha." E o segundo, e o terceiro. Quando a noite chegou e os zumbis correram atrás da gente, perdemos nossa casa, nossa vida, nossos suados pedaços de madeira. Mas aí eu apertei o botão de recomeçar, e fizemos tudo de novo.

Largamos a Rosa (4 anos) por três horas vendo Pepa Pig na TV (resolveremos um trauma de infância de cada filha por vez, ok?). Ela ficou com medo de sair da casa por causa dos zumbis, mas estávamos ficando com fome. Então, ela teve uma ideia brilhante e construímos um pomar dentro de casa! Quando chove, quebramos o teto para molhar as plantas. De dia quebramos o teto para que elas tomem sol. Eu jamais pensaria nisto.

Nossa horta indoors

Por pedido dela, saímos deste modo onde podemos morrer para o modo onde tudo está liberado, e construímos a casa com telhado de vidro. A primeira ideia dela foi colocar a água dentro de casa. E ficou lindo.

A água dentro da casa
Depois fizemos as paredes, sendo que uma delas brilha no escuro. Colocamos e tiramos tochas vermelhas. E, por fim, nosso teto de vidro. Enorme. Lindo. De dentro da casa vemos as estrelas.

Nossa casa com telhado de vidro
No final das três horas, conversei com ela sobre  como nossa casa de vidro era maravilhosa, e o quanto eu tinha ficado empolgada quando finalmente fizemos pão, com o trigo que colhemos da nossa horta dentro de casa. Que o pão tinha sido especial, pois ele tinha sido difícil de conseguir. No modo liberado temos pão o tempo todo, e quão pouco valor ele tem.

Tenho minhas filhas comigo o tempo todo. Elas são como a casa de telhado de vidro. Maravilhosas, todas as possibilidades diante delas. As semanas, meses, anos passam, e eu fico contente de estar com elas vendo a casa crescer e ganhar novidades. Mas hoje fiquei MUITO feliz de ter tido um dia fazendo pão.

Foi realmente muito divertido, filha.

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 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...