27 de março de 2021

Educação: produto, serviço, ou... ideal?

Quando gastamos dinheiro, geralmente estamos comprando um produto ou um serviço.

Se eu compro um carro, estou comprando um produto. Se eu contrato um encanador para trocar a válvula do banheiro, é um serviço.

Quando eu compro um produto, eu tenho sempre razão. Ao comprar um carro, eu espero que ele seja exatamente da cor que eu escolhi, com acessórios específicos, potência do motor que eu preciso, da marca que eu escolhi. O preço depende de quanto produto eu vou receber (dois carros custam o dobro de um carro). A única opção do vendedor é tentar me oferecer exatamente o que eu quero, ou falar que infelizmente não tem. A balança da decisão do "como será feito" pesa para o meu lado.

Quando eu contrato um serviço, é diferente. Eu estou contratando experiência. O motivo pelo qual o encanador troca a válvula e eu não é porque ele sabe melhor do que eu como fazer isto. O preço depende da dificuldade do serviço, mas não necessariamente de quanto tempo vai levar. Qualquer pessoa pagaria mais para um encanador que terminasse o serviço em uma hora do que um que levasse três dias com seu banheiro interditado. O que eu contrato nesse caso é o resultado final, não como o processo será desenvolvido. A balança da decisão do "como será feito" pesa para o lado do especialista (encanador, nesse caso).

A parte mais sensível desta comparação é óbvia: enquanto vender e entregar um produto requer menos conhecimento e experiência sobre o produto, e mais talentos de relacionamento pessoal, serviços dependem de profissionais mais qualificados, com mais experiência, que exigirão salários maiores e que precisam saber exatamente o que estão fazendo.

Mas com educação, estas definições se complicam. Quando um aluno (ou seus responsáveis) contratam um curso, ou pagam uma faculdade, o que exatamente eles estão comprando? Podemos considerar cada curso e o conhecimento derivado dele como um produto? Ou é um serviço, onde o especialista é o educador, e o resultado final é o aprendizado?

Nos meus (quase) 20 anos de docência, tenho observado que o ponto de vista da instituição com relação à isso é fundamental. Se os alunos são considerados consumidores de produtos, a experiência do aluno é o foco. Professores que são muito exigentes, pouco sociáveis, ou mal avaliados pelos alunos, são aconselhados a procurar outro emprego. O foco do processo é em resultados mensuráveis, como número de alunos empregados ao final do curso, percentual de alunos que repetem matérias, número de alunos que desistem do curso. Geralmente os professores mais valorizados são aqueles professores tipo standup show, que dão aulas expositivas engraçadas, divertidas, cheias de piadas e cumplicidade com os alunos.

Se, por outro lado, o ensino é considerado um serviço, é bem diferente. O foco é no processo de aprendizagem. Os professores mais valorizados são aqueles com mais experiência, vivências e metodologias que auxiliam o aluno a aprender de verdade. A independência do aluno é fundamental neste processo, e o processo é muito mais difícil para o aluno. Os professores sabem que não precisam mastigar o conteúdo, e podem cobrar o que consideram imporante na prova. Muitos são avaliados mal pelos alunos, principalmente os que não conseguem acompanhar o ritmo. Mesmo com técnicas de auxílio à aprendizagem, como metodologias ativas, aprender qualquer coisa em profundidade é sempre mais difícil do que superficialmente.

Comparar estes estilos de educação lembra muito as escolhas que fazemos no processo de criar uma criança. Deixar a criança feliz o tempo todo, atendendo a todos os seus mínimos desejos, é uma forma simples de estragar a vida dela. Aprender a lidar com a frustração, desenvolver independência, entender limites e investir energia e tempo em desenvolver suas habilidades é a base para um ser humano completo e que tem orgulho das próprias conquistas.

Mas tem uma terceira opção que não considerei no princípio: também gastamos dinheiro em um ideal. Quando eu faço uma doação para uma ONG, quando eu pago impostos, quando eu doo dinheiro para uma campanha política, eu estou apostando em um ideal. Eu estou escolhendo um mundo melhor, onde o meu dinheiro é um incentivo para mudanças e melhorias em algum aspecto do mundo.

Seymor Papert, um educador maravilhoso, descreve no seu livro Mindstorms que educação deveria sempre ser hard fun (diversão difícil). Que os alunos deveriam ser estimulados a aprender sempre, de forma independente, construtiva, ligada aos seus interesses e suas paixões, seus colegas e família, seu impacto no mundo. Não porque no futuro isto irá dar a eles um diploma (produto), ou porque eles irão receber dos professores instruções e habilidades valiosas (serviço). Carl Rogers, em Aprendizagem Centrada na Pessoa, também defende que crescimento pessoal é uma necessidade intrínsica do ser humano, e que sem isso não é possível ser feliz de verdade (congruência). Papert, Rogers, e seus seguidores, acreditam que o aprendizado é um direito fundamental do ser humano, e que o crescimento de cada indivíduo intelectualmente é o caminho para uma humanidade melhor, mais tolerante, mais completa, mais realizada.

Para mim, Educação é este ideal.

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