18 de janeiro de 2021

Ansiedade, COVID, Carla, terapia e CBD

Em Novembro fez um ano que mudamos para o Canadá.

2020 foi o ano que ninguém vai esquecer, o ano em que todos nós morremos e fomos para o inferno. O ano que ainda não acabou e que parece sempre piorar. O ano da guerra silenciosa que matou, afastou e dividiu. O ano em que a ficção dos filmes de pandemia se tornou realidade e aprendemos a viver sozinhos e isolados.

Mas, para mim, também foi o ano em que vendi minha empresa, todas as minhas posses pessoais exceto 10 malas grandes, lidei com minha filha adolescente aos prantos pela perda de toda a sua vida, com minha filha pequena aos prantos pelo medo do diferente. Foi o ano em que levei mais tempo para conseguir um emprego do que para ser demitida dele. Foi o ano em que comprei errado e caro tudo que eu já tinha antes. Foi o ano em que, fora  as 3 pessoas que moram comigo, e uma nova amiga, não encontrei com nenhum outro ser humano.

Por isso tudo e muito mais, 2020 foi o ano em que eu comecei a fazer terapia toda semana e a tomar CBD, um componente da maconha que tira a ansiedade. Aqui no Canadá o CBD é legal, você compra direto do governo, entrega em casa, e nem é caro. Ao contrário da maconha, o CBD não dá barato. Ele só desliga a ansiedade, no meu caso.

E, no ano da desconexão, não ser mais ansiosa é uma forma de não ser mais eu mesma. 

Ansiedade faz sentido, evolutivamente. É aquela sensação de que algo muito errado está logo ali, prestes a acontecer. É ter uma parte da população que se preocupa com o leão que vai vir de noite, com o inverno que vai chegar daqui alguns meses, antes de acontecer. O resto da galera toca o barco focando nas tarefas do presente, enquanto os ansiosos ficam avisando: "Gente, vai dar merda." e preparando a cerca, estocando o milho. O ansioso é aquele suricato que fica em pé enquanto a galera come.

Ansioso.

A vida é melhor para todos desse jeito, mas a vida do ansioso é difícil. A gente tem dificuldade de separar o leão real do dragão inexistente, porque o cérebro fica em pânico a maioria do tempo. E o fato de que todo mundo em volta não tá vendo o perigo deixa a gente ainda mais apavorado. Não só o leão está vindo, mas só você percebe isso.

Hoje eu percebo que a ansiedade sempre esteve presente na minha vida. A sensação de que só eu percebia um monte de coisas que podiam dar errado me transformou em uma excelente resolvedora de pepinos. Eu conseguia bolar plano A, B, C e D para tudo, imaginar tudo que ia dar errado, e planejar para cada situação. Não dormia e chorava o tempo todo, mas resolver era comigo mesmo. Quando eu era dona do meu negócio, passava noites em claro preparando para problemas que nunca aconteciam porque eu resolvia antes de acontecer.

Meu lema era: "Espere o melhor, mas se prepare para o pior."

Então veio o COVID. Não tem como se preparar para uma pandemia. Não tem como resolver. Não tem como não ficar em pânico, porque o mundo está acabando, e o melhor que você pode fazer... é não fazer nada. E aí eu quebrei.

Quebrei porque bati nesse problema que não tem solução, e que impede a solução de quase todos os outros problemas, que é real e imediato e imenso. E que eu não tenho nenhum poder sobre ele. Não tem jeito de ir visitar minha família. Não tem jeito de as meninas fazerem novos amigos. Não tem jeito de conhecer outras pessoas.

Então, quando fui demitida sem aviso prévio e sem explicação, foi a gota d'água para minha saúde mental. Passei a chorar todo dia, a não acreditar que algum dia as coisas iam melhorar, entrei em depressão. Comecei a beber mais do que ocasionalmente. Tentei usar cápsulas de maconha (não sei fumar), mas isso só me fez ficar apática, largada no sofá vendo TV o dia inteiro sem nem vontade de me mover. Sinto que minha vida profissional acabou e que me mudar para cá foi o fim da minha carreira.

Neste momento aparece a Carla na minha vida. Prima da madrinha da minha filha, a Carla vem aqui em casa trazer um presente de aniversário para minha filha. Ela mora aqui há muitos anos, e tudo está bem. Nos conectamos imediatamente, e ela me dá muitas dicas de como conseguir outro emprego, me fala das coisas boas de Toronto, promete um futuro melhor baseado nas experiências dela.

Essa sacudida me anima, faço os cursos que ela me indicou, e acabo conseguindo outro emprego, agora em um lugar que eu sinto que posso fazer diferença. Mas o trauma do primeiro emprego continua me assombrando. A cada reunião, a cada final do dia, meu pensamento é: "Ainda não fui demitida. Será que vai ser amanhã?" mesmo sem ter nenhum motivo para isso. Meu cérebro suricato roda a 200% da capacidade, só pensando no pior.

Decido então começar a fazer terapia e tomar CBD. Faço terapia com um Psicólogo Humanista no Brasil, uma vez por semana. O CBD eu comecei tomando todo dia, de noite, antes de dormir. O efeito mais forte dura mais ou menos umas 6 horas, então dá para trabalhar tranquila. Depois de três meses passei para de 2 em 2 dias, e atualmente só tomo quando a ansiedade aperta.

Os efeitos do CDB são muito claros: a ansiedade desaparece. E eu me sinto outra pessoa, porque eu percebo o quanto meu humor, minhas escolhas, meus pensamentos são dominados por esta sensação permanente de desastre eminente. Começo a esquecer de fazer coisas (porque não estou constantemente repassando minha lista de afazeres mentalmente), começo a ter tempo livre (porque não estou adiantando coisas que talvez eu não tenha tempo de fazer amanhã), paro de brigar com todo mundo para cada um fazer suas tarefas (porque eu não to fazendo nem as minhas). No geral, paro de me importar tanto com tudo. Ao contrário da depressão que me desliga, o CBD me desacelera. Fico mais atenciosa, mais paciente, mais focada.

A terapia me ajuda a dar outros passos. Me ajuda a aceitar minhas limitações e a falar dos meus medos. Me ajuda a aceitar que o futuro é incerto e que eu não controlo quase nada. O CBD me dá estabilidade suficiente para conseguir falar destas coisas sem chorar compulsivamente, e, aos pouquinhos, vou me libertando do medo de ser despedida novamente, do mundo acabar, de todo mundo morrer.

Não está bom ainda. Talvez nunca fique. O COVID veio para nos mostrar o quanto somos vulneráveis e que, apesar de todo o imenso progresso da ciência neste ano, nossa sociedade mudou irremediavelmente. Os impactos na economia, na educação, nas relações pessoais, na política, serão profundos. Meu cérebro bom de prever consequências indesejadas sabe que nosso pós-guerra será tão duro quanto a guerra. E que a guerra ainda está longe de acabar. Que a vacinação é só a primeira etapa, mas que a reconstrução da nossa sociedade será longa e difícil.

Enquanto isso, aprendo a encontrar alegria em pintar uma cópia do retrato do meu avô, em cozinhar, em voltar para este blog. Vida que segue.

Cópia de retrato de Sálvio de Oliveira. Original pintado por Inimá de Paula.


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