28 de outubro de 2013

Clara Averbuck e a Escola de Princesas

Hoje fui ao lançamento do novo livro de Clara Averbuck "Cidade Grande no Escuro" no Sempre Um Papo.

Sou seguidora fiel dos blogs dela, especialmente o que tem seu nome Clara Averbuck e o Feminismo prá que? que ela divide com a Nádia Lapa do Cem Homens. Figuras expoentes do novo feminismo brasileiro, fui ouvir a Clara pessoalmente, vendo-a falar pela primeira vez.

Eu (de vermelho) tietando a Clara!!!
Por não ver televisão (sim, sou um ET), eu nunca tinha visto a Clara. Fiquei sabendo por ela hoje que ela já esteve em reality show, já apresentou programa, já foi do R7. Sei de nada disso. Sei o que leio dela, que é sempre inteligente, irônico, brilhante. Seu post mulher: dá vontade de fazer uma camiseta e sair na rua.

Minha camiseta com o texto da Clara.
E aí ela falou que está para publicar em breve um post sobre "A Escola de Princesas". E eu pensei: "ai que lindo, eu já publiquei um sobre isto". O que será que ela vai falar, será que vai ter algo em comum com o meu. Fui reler o meu e: susto! Cadê? Não publiquei!!!! Ficou no HD!!

Então aqui está. O post sobre Escola de Princesas, em homenagem à Clara Averbuck, uma das minhas grandes inspirações no feminismo.

Escola de Princesas: O problema é mais embaixo

Recebi de uma amiga dois links que parecem muito diferentes, mas contam dois lados da mesma história: como os papéis sociais limitam e criam sofrimento desnecessário.

O primeiro é sobre a "Escola de Princesas", criada em Uberlândia. Nada contra o que a escola ensina: boas maneiras, arrumar a casa, costura básica, e polidez em redes sociais, entre outros.

Segundo a dona da escola, "é possível conciliar carreira com o cuidado da casa e dos filhos sem prejuízo para nenhum dos dois". Geeeeenteeee, me ensina! Vou me matricular amanhã na escola de princesas!

Mas me espanta o fato de que só meninas (princesas) podem ser matriculadas. Ninguém sequer menciona o fato de que homens também um dia poderiam lavar roupa, cozinhar arroz ou ser educado com os mais velhos, desta forma ajudando no tal equilíbrio trabalho fora de casa x trabalho doméstico. Saber cuidar da casa é um atributo feminino, ou seja "de princesa" (embora eu nunca tenha visto nenhuma princesa de verdade pondo a mesa ou arrumando o próprio quarto).  Os filhos são responsabilidade da princesa, que "só deve ter filhos depois de casar com o príncipe, se tornando rainha". Não, não estou inventando nem exagerando; tá lá na reportagem quando ela exemplifica o que ensinam em educação sexual (prefiro este documentário curtinho que explica a diferença entre sexo de vídeo pornô de sexo na vida real, ou este documentário frances brilhante e divertido sobre o clitóris). Coitada da princesa que for lésbica, ou nunca casar, ou nunca quiser ter filhos, né?

Sejamos (nada) criativos, e criemos então a "Escola de Príncipes". O que teria? Aula de futebol, política, como trocar resistência de chuveiro e discutir com o mecânico do carro? Fácil, né?

Só que não. O problema com esta ideia é que nem todo príncipe gosta de futebol, e nem toda princesa gosta de cozinhar. Que balancear trabalho fora de casa com trabalho doméstico é um desafio hercúleo, lotado de culpa e dúvida para a maioria das mulheres. Que a ideia de princesa é uma afronta aos conceitos de democracia e de feminismo. Ao contrário dos super-heróis, que são "gente" e "super-herói", cheios de conflitos e personalidade, as princesas são definidas por serem lindas, educadas, naturalmente boas e felizes o tempo todo (Preciso aqui abrir uma exceção para Mulan, que honrosamente defende a mulher que tem carreira e compete com homens em pé de igualdade. Quantas meninas são encorajadas a ser a "Mulan"? A Bela, da Bela e a Fera, também se sai um pouco melhor. Rejeitando a idéia do casamento arranjado, e protegendo o pai, e gostando de ler, ela consegue mostrar um pouco mais de personalidade.)

Acha eu eu estou exagerando? Descreva a personalidade da Branca de Neve, da Bela Adormecida ou da Cinderela. Suas melhores qualidades são "esperar pelo príncipe" (dormindo ou provando sapatos), e serem excelentes dona de casa. Agora descreva a personalidade do Batman, do Homem-Aranha ou do Super-Homen. Eles tem história, passado, conflitos, trabalham fora e nunca estão arrumando a casa.

O que me leva ao segundo link. É um depoimento (em inglês) de um pai que tem um filho que gosta de se vestir com roupas "de menina" e brincar com brinquedos "de menina". Desde muito cedo o garoto se percebe como mulher, e o pai o aceita e o ama. Adoro particularmente esta frase:

"I’m a father. I signed on for the job with no strings attached, no caveats, no conditions. I can name every Disney Princess and her movie of origin. I've painted my son's nails and rushed to remove it when he was afraid that he would get teased for wearing it. I didn't want to remove it, I wanted to follow him around and stare down anybody who even thought about teasing him. "

(Eu sou pai. Eu me ofereci para este trabalho sem nenhuma prerrogativa, teste ou condição especial. Eu posso dizer o nome de todas as princesas da Disney e seus filmes. Eu pintei as unhas do meu filho e tirei o esmalte rapidamente quando ele ficou com medo de ser provocado por causa disto. Eu não queria que ele tirasse, eu queria seguir ele por todo lado e fazer cara feia para quem quer que quisesse tirar sarro dele.)

Este menino quer ser uma princesa. A única coisa que o torna "diferente" é o fato de que não esperamos isto dele. E só. Não é ele que é diferente, nossas expectativas é que são absurdamente reducionistas. Eu o entendo profundamente, porque nunca gostei muito de usar vestidos, ou me maquiar. Hoje, ninguém torce o nariz de me ver usando terninho, mas houve uma época (e até hoje existem muitos países) em que eu seria considerada "diferente". Conheço uma menina que se recusa a usar vestido (o que gerou uma confusão terrível na escola dela na época da festa junina), brincar com Barbies ou de casinha. Os pais a apoiam nestas decisões e compram todas as brigas. Mas não deviam ter que comprar.

POR QUE ainda sentimos que temos que controlar o gosto dos outros?

20 de outubro de 2013

Toda nudez será castigada, proibida, escondida. E o amor?

Fui hoje com meu marido e filhas à exposição "Elles: Mulheres Artistas na Coleção do Centro Pompidou" que esteve no Centro Cultura Banco do Brasil de Belo Horizonte de 28 de Agosto até hoje.

Uma obra me tocou profundamente. A série de fotografias intitulada "Heartbeat" (2000 - 2001) de Nan Goldin (alguns momentos da série foram colocados em baixa qualidade no YouTube aqui e aqui mas tem amostras melhores aqui e aqui).

Composta de 254 slides que são projetadas na parede enquanto Bjork canta ao fundo “Prayer of the heart”, de Sir John Tavener, cada slide captura momentos íntimos da vida da autora e de seus amigos. Espontâneos, reais, vivências de amor, sexo e família. São imagens belíssimas. As cenas de sexo são apaixonadas, sem retoques, sem photoshop ou silicone. Pessoas reais sentindo prazer e felicidade reais.

"Heartbeat" Nan Goldin (200-2001)


Devido ao fato de mostrar sexo explícito em boa parte das fotos (inclusive homosexual), a mostra é proibida para menores de 18 anos. Por este motivo, eu e meu marido nos revezamos para observar parte das fotos enquanto o outro ficava com nossas filhas de 7 anos e 1 ano e meio do lado de fora.

Eu sei que serei muito criticada por esta opinião, mas mas eu realmente não concordo com esta lei. Por que minha filha de 7 anos não pode ver fotos de pessoas se amando? Não tem nenhuma lei que impeça ela de ver fotos de uma pessoa batendo em outra. A maioria dos filmes infantis inclui dezenas de cenas de violência, muitas vezes gratuita, agressão verbal constante, morte, assassinato e crueldade. Mas ver duas pessoas que se amam fazendo sexo? NÃAAAOOOO!!

Eu SEI que a lei está aí para proteger que crianças tenham acesso à sites e revistas de pornografia, onde a representação do sexo é em geral degradante para a mulher, a violência sexual está explícita ou implícita na maioria das cenas. Mas, se eu mostrar para minha filha uma foto de um casal nu, como várias desta exposição, eu vou para a cadeia. Eu também SEI que uma criança não deve ser exposta a imagens para as quais ela ainda não está preparada, e que poderia criar uma representação ainda mais absurda na cabeça dela. É parte de nosso papel como pais e mães julgar se ela seria capaz de entender e se faria bem a ela.

Estou lendo o livro "O Mito da Beleza" de Naomi Wolf, brilhante, que detalha como nossa sociedade consumista depende de sermos insatisfeitos com nossos corpos, com nossa vida sexual, com nossos parceiros, para continuar vendendo cremes, iogurte light e pornografia*. Minhas filhas estão expostas à dezenas de corpos "perfeitos" em propagandas ubíquas, mulheres construídas digitalmente para não terem rugas, nem poros, nem alegria. Ia ser bom se elas pudessem, pelo menos uma vez, ver corpos reais, com celulite e cicatrizes, sem silicone nem maquiagem, em pleno ato de entrega, amor, felicidade plena.

Mas não podem. Não poderão até terem 18 anos. E com as atuais taxas de bulimia aos 16, de anorexia aos 14, de regimes alimentares aos 12, de auto-imagem distorcida aos 10, talvez seja tarde demais.

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A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...