2 de outubro de 2014

Tomo Prozac ou Compro uma Bicicleta?

Tenho estado muito triste nos últimos tempos. Diversos projetos de vida não saíram como eu esperava, e a vida perdeu a graça. Depois de conversar com marido, família, amigos, fui ouvir a opinião de um especialista, psiquiatra.

Durante a consulta, ele faz diversas perguntas para poder fechar um diagnóstico. Pede para eu responder apenas "não", "leve", "moderado" ou "forte". Simples. Só que não.

Tentei responder de forma simples às perguntas, mas...

- Você tem dificuldades de dormir?
Resposta: Não. (Não, desde que cortei a cafeína da minha vida, mas tinha muita insônia quando fico preocupada, mas meu vizinho faz festa quase toda semana, e tenho rinite alérgica que me faz tossir quando deito...)

- Você se sente cansada?
Resposta: Moderado. (Claro! Mas eu toco uma casa, emprego e duas filhas sem empregada)

- Você às vezes tem vontade de sumir?
Resposta: Moderado. (Que mãe que nunca?)

- Você está insatisfeita com seu trabalho/marido/filhos?
Resposta: Forte. (Troquei de área de atuação recentemente, é uma experiência, estou me adaptando ainda)
Resposta: Forte. (Mas ele chegou a fazer terapia também, é um problema com causa clara, que aconteceu há alguns meses)
Resposta: Não. (Minha relação com minhas filhas está muito boa, mas tente você cuidar de duas crianças sem suporte da sociedade, sem creche, sem van para buscar na escola, com meus pais saturados de netos, a menorzinha na fase da birra e a mais velha querendo ser adolescente antes da hora)

Intrigantemente, perguntas mais barra pesada, são mais fáceis de responder.
- Você pensa em se matar?
Resposta: Leve. (Como é que explico que não faço planos, penso nas pessoas que fizeram isto com uma pena pelo estado de desespero delas e acho que jamais faria isto. Não quero morrer, quero mudar de planeta!)

E, às vezes, sinto que o decepciono:
- Seu nível de energia, como está?
- Ótimo, na verdade! Desde que parei de tomar café, eu...
- Não, nas últimas duas semanas, sem contar a coisa do café.
- Então, está muito bom, estou animada, dormindo às 10, acordando às 8, pronta pra...
- Mas fica na cama, fritando, tendo pensamentos?
- Não, estou bem mesmo.
- Hum. Não sei como você dá conta, com tudo que está passando.

Durante o processo todo, choro muito. Claro, como disse, estou triste. Mas estou triste com uma coisa real e concreta: a injustiça do mundo. A dificuldade que é viver em um mundo machista, onde minha capacidade é ignorada continuamente e sou julgada pela minha aparência e meus talentos domésticos/de mãe. Saber que minhas filhas estarão expostas sempre à violência de gênero, com uma chance indecente de serem estupradas, ou sofrerem distúrbios psicológicos por causa do padrão de beleza impossível imposto à elas. A consciência diária de que minha filha loira e de olhos azuis é tratada diferente da irmã, morena de olhos castanhos. As conversas sobre a eleição, onde uma classe média manipulada pela mídia critica um programa de ascensão social que paga mensalmente para famílias que não tem o que comer menos do que eles gastam em um almoço de domingo.

Saio de lá com um diagnóstico de depressão grave. Devo ter feito uma cara de "Sério? Eu?", que fez com que ele me perguntasse:
- Por que você está tão resistente à este diagnóstico de depressão? Isso é uma boa notícia. Sua vida vai melhorar. A dor que você está sentindo vai passar.

Me senti como um Neo (do Matrix) às avessas, ele me oferecendo uma pílula mágica (o antidepressivo) para me colocar de volta na ilusão quentinha e confortável de que está tudo bem. Eu sei que ele quer me ajudar. Eu sei que ele acha que eu vou me sentir muito melhor.

Fico por um tempo, em silêncio, pensando nos homossexuais que eram diagnosticados como doentes, há não muito tempo. Nos EUA só em 1973 parou de ser uma doença. No Brasil só em 1985.

Enquanto isso, a depressão foi sendo largamente diagnosticada, principalmente em mulheres:


FONTE: http://www.cdc.gov/nchs/data/databriefs/db76.pdf

Eu tenho certeza de que remédios anti-depressivos salvam vidas, que seriam perdidas pelo suicídio, pela apatia, pelo desespero. Mas quando um quarto das mulheres acima de 40 anos está tomando remédio, isso é um sintoma claro de que este não é um problema pessoal. Assim como o surto de obesidade não é culpa de cada gordinha, a causa dos sintomas destas mulheres não pode ser apenas o balanço químico imperfeito do cérebro delas.

Não estou dizendo que estas mulheres e crianças não estão deprimidas. O que eu questiono é o por que. A justificativa para o uso de antidepressivos é que o cérebro está com um imbalanço químico que gera o sentimento de infelicidade. Uma explicação muito mais óbvia é que estas pessoas estão infelizes.  Há uma teoria de que "a manifestação mais cruel da criatividade reprimida é a depressão.". Em uma sociedade que reprime a mulher de todas as formas, através da cultura da violência, da beleza inalcançável, do papel submisso e da sexualidade como única utilidade da mulher, não me espanta que, ao chegar em uma idade onde a mulher não tem mais valor (por estar "velha", dentro do nosso culto à juventude), ela entre em depressão.

Eu concordo completamente com o diagnóstico da causa da minha tristeza: falta de componentes químicos que produzem a felicidade no meu cérebro. Mas eu discordo do tratamento. Tomar por via oral componentes químicos que farão eu me sentir mais feliz é, para mim, a mesma coisa que encher a cara de álcool, chocolate ou roupas novas. Não ataca a raiz do problema. Só vai me manter sedada por um tempo, e vou ter que tomar para o resto da vida (mais de 60% das pessoas tomando antidepressivos já tomam há mais de dois anos, com 14% tomando há mais de 10 anos).

Decidi me tratar da depressão sim, mas de um jeito que eu acho que vai atacar as causas, não o efeito. Não consigo mudar o mundo todo. Mas começo comigo. A expressão da criatividade (como na escrita), os exercícios físicos aeróbicos (como andar de bicicleta) e atividades prazeirosas como abraços, sexo e risadas são antidepressivos. Reprimir meus sentimentos gera depressão, ansiedade e raiva. Lutar pelas causas que acredito, conversar com meus amigos sobre em quem eu vou votar, discutir com minhas filhas feminismo, empodera a todos, e a gente fica um pouquinho mais perto de um mundo mais justo.

PS: Tem umas coincidências na vida que trazem uma clareza enorme. O post do Sakamoto de hoje "Quando crescer, quero ser a mulher do comercial de TV", com muito bom humor, me deu apoio e a certeza de que estou no caminho certo.

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...