25 de outubro de 2015

Plantão Médico (por uma Engenheira)

Explicação: Eu sou a única engenheira em uma família cheia de médicos. Avô, pai, cunhado, irmã. Passei boa parte do meu tempo ouvindo eles discutirem casos, tratamentos e explicações. Além disto, adorava assistir Plantão Médico e Scrubs. Como não consigo decorar nomes complicados nem que minha vida dependa disso, virou piada recorrente meus "erros" na hora de descrever nomes de medicamentos (e, invariavelmente, órgãos internos). O resultado é o texto abaixo.

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Ela chegou queixando-se de uma leve miodicitose.

Eu, como médica.
Indiquei à enfermeira que desse 14 mili-ges de fenoctiladina e observasse. Por precaução, pedi uma contagem de neociplastoses mínimas.

Mas o exame nem tinha sido realizado quando ela entrou em disruptose aguda. Imediatamente a entubei com uma placa 48; abrimos uma linha e injetamos duas ampolas de freocoliptídeos. Ela deveria estabilizar rapidamente.

Para nossa surpresa, o nível de preonícitos não parava de subir, então apelei para 6g de difenaclitercóide. Nada.

Chegando em assístole crônica, abri o peito dela, externo, miolo, interno, peguei o coração em minhas mãos. Aí ficou óbvio para toda a equipe: um miofaglocentróide atrapalhava toda a circulação!

- Clear! - eu gritei,  enquanto a enfermeira carregava em 110V.

O choque fez com que ela recuperasse alguma pressístole, mas a pressão ainda estava em 10 por 3,14. Hora de tomar a decisão heróica.

A equipe e eu sabíamos que apenas uma dissezolaparoscopia completa, radical mesmo, salvaria a vida da paciente. Bisturi número 9, pedi. Aço ou platina? Aço; não temos tempo.

Seccionei, puncionei, cauterizei, retirei suas amígdalas e um resto de apêndice. Ainda era pouco. Retirei um fígado, ela teria que se virar só com um. E foi então que o pior aconteceu. Completa parasectose.

Ninguém pode prever este tipo de reação, eu sei, mas algo me dizia que eu tinha que ir até o fim.

As enfermeiras entraram com meu bolo de aniversário, soprei as velas, e gritei:

- Mais 10mg de onteprazol, 22 ml de O positivo, e levantem mais esta maca!

Subi no peito da paciente, e, usando o tubo como guia, levei o laringegoscópio até o estômago. Lá estava ele, a raiz do miofaglocentróide. Queimei-a com o laser de cirurgia de miopia; hemonagioglocebina, agora!

Como se renascida dos mortos, a paciente voltou a respirar, apenas 52 minutos depois da parada cardíaca-pulmonar-intestinal. Estava salva!

Mais um grande dia no ER!

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Dedicado à Dra. Luiza, ao Dr. Luiz e ao Dr. Jorge. Originalmente escrito em 14/12/2004.

30 de setembro de 2015

O Dia do Mundo Melhor

Imagine um dia onde ninguém cometesse nenhum crime.

Um dia onde todos cumprissem a lei, as regras de boa convivência e de educação.

Onde todos respeitassem faixa de pedestre, proibido estacionar, sinal de trânsito,  vaga de deficiente, prioridade de fila, e o sinal de afivelar cinto de segurança no avião até a parada da aeronave.

Onde policiais não matassem bandidos e bandidos não matassem policiais. Onde políticos não desviassem dinheiro. Onde seu filho pudesse ir até a padaria sozinho, sem risco de ser sequestrado, baleado ou assaltado. Onde crianças e adolescentes não apanhassem, não utilizassem drogas e não batessem carteiras.

O efeito no Brasil de apenas um dia sem crimes seria 4.317 veículos que não seriam roubados, 172 mulheres que não seriam estupradas e 182 pessoas que não seriam assassinadas. (fonte)

Agora, imagine que este é também um dia de compaixão, de ajudar ao próximo. Oferecer uma mãozinha para quem está com sacolas pesadas. Dar dez reais e um sorriso para o mendigo do bairro. Ligar para quem você gosta e agradecer por tudo que esta pessoa trouxe de bom para sua vida. Fazer um trabalho voluntário, separar doações para quem precisa mais. Ouvir alguém com carinho sem julgamentos, e elogiar sinceramente um conhecido. Um dia sem preconceito, piadas racistas e machismo.

Eu proponho que este dia seja o dia 4 de Janeiro de 2016, o primeiro dia útil do ano. Começando com o pé direito.

Apenas um dia. Um dia para vermos como seria um mundo melhor. Um dia para provarmos que o ser humano tem jeito, que podemos ser melhores. Um dia para sabermos como o mundo poderia ser. Um dia de segurança, aproximação e esperança.

Quem sabe a gente se acostuma?

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1) Se você tem mais sugestões de como fazer o Dia do Mundo Melhor ainda melhor, adicione nos comentários!

2) Se você gostou da ideia, compartilhe com o máximo de pessoas que puder. Mande para jornais, empresas, amigos e conhecidos. Esta ideia só vai decolar se estivermos todos juntos. E você é parte importante disto. Cada pessoa faz diferença. Conto com você! Até dia 4!

8 de setembro de 2015

10 Razões pelas quais seu cachorro NÃO é seu filho

Desculpa, mas não.
Várias pessoas que não tem filhos, e algumas que tem (!), de vez em quando se revoltam porque o resto da sociedade não trata seus gatos ou cães como seus "filhos".

O mais recente foi uma reclamação no Facebook sobre uma família (um casal de idosos e sua filha) que foi "expulsa" da Boca do Forno São Bento porque estavam com uma cadela (a empresa nega que foram expulsos, dizendo que eles pediram para que eles se retirassem, a família argumenta que isto é a mesma coisa que expulsar).

Eu não ia me intrometer, mas no argumento a filha diz que:

"Eu, meu pai e minha mãe (já idosos), fomos convidados pela funcionária, a nos retirarmos do local!!!!"
"Enquanto isso, crianças pequenas correm e gritam pelo ambiente, choram alto, pingam catarro e continuam lindamente lá!"

Opa, peraí.

Acho que agora foi longe. O fato de que crianças possam estar no estabelecimento NÃO te dá o direito de colocar o seu cachorro lá.  Existem, pelo menos, 10 razões pelas quais seu cachorro não é uma criança:

  1. Você não pode deixar seu filho em casa sozinho para ir lanchar.
  2. Você não vai castrar seu filho se não quiser cuidar dos netos.
  3. Você não vai dar os filhos do seu filho para estranhos (às vezes por dinheiro).
  4. Você não permitiria que alguém separasse seus filhos dos amigos e família dele quando ele fizesse 10 dias.
  5. Você não vai sacrificar seu filho se ele estiver doente e comprar outro filho parecido.
  6. Se seu filho for atropelado, você não vai descansar enquanto quem o atropelou não seja punido.
  7. Seu filho não vai fazer xixi e cocô em áreas públicas (incluindo restaurantes como a Boca do Forno).
  8. Você não vai separar seu filho de TODOS os outros seres humanos, fazendo-o conviver apenas com uma raça diferente da dele que decide quando ele vai comer, sair de casa, fazer sexo e se reproduzir para o resto da vida dele.
  9. Você não vai deixar seu filho com estranhos quando viaja.
  10. Seu filho não vai morder, latir e pular em estranhos (principalmente os que não gostam de crianças) em restaurantes.
Eu imagino que quem gosta muito de animais de estimação, acha que esta relação é boa para os dois lados. O humano tem um "companheiro" e o animal ganha casa, comida e roupa lavada. E é "da família".

Só que não é bem assim. Vou fazer um paralelo. Outra categoria que geralmente recebe esta conotação "como se fosse da família" são empregadas domésticas. Como mostra o excelente filme "Que Horas Ela Volta?", esta é uma forma disfarçada de tentar transformar em "bondade" uma relação que é basicamente de controle e submissão. Seu cachorro será "da família" até morder alguém. A empregada será "da família" até tentar dormir na cama da patroa. Ou comer na mesa da sala. Ou usar o banheiro social. Enfim, será sempre uma relação desigual.

Eu tenho um grande amor por todas as espécies de seres vivos (insetos menos um pouco). Por isto, não acredito que neurotizar um outro ser vivo, mantendo ele enjaulado pela vida toda seja amor. Um argumento interessante seria dizer que nós "domesticamos" estes animais, e que agora eles não tem mais condições de viver sozinhos. Verdade. Mas quando esta domesticação aconteceu, a gente também morava em comunidades rurais, com muito espaço, e os bichos viviam soltos! Ninguém foi evolutivamente selecionado para viver em área de serviço, sem janela ou espaço verde, de um apartamento no vigésimo oitavo andar. Nem bicho, nem gente.

Por fim, estudos indicam que os cachorros também não se sentem seus filhos. Eles entendem que fazem parte de uma matilha, onde eles estão na escala mais baixa. Por isto o comportamento submisso ("carinhoso"), entristecido ("dócil") e pacífico ("feliz"). Projetamos nos bichos nossos sentimentos de gratidão, amor e carinho, enquanto eles estão encarcerados, subjugados e isolados de qualquer chance de vida independente.

Não me espanta que, às vezes, fujam. "Fecha a porta, senão ele escapa".

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PS1: Escrever este texto me deu um desconforto extremo, por comparar os bichos de estimação com empregadas domésticas. Quero deixar bem claro que minha crítica aqui é ao tratamento similar que nossa sociedade dá para animais e domésticas, e o quanto ambos os tratamentos são terríveis na minha opinião. Inclusive, a ideia de que os animais domesticados não conseguiriam viver sozinhos era um dos argumentos dos senhores de engenho para não libertar os escravos, que seriam incapazes de viver sem a proteção do dono. Já estamos avançando em alforriar as domésticas, com a Lei da Doméstica, que ofereceu à elas quase os mesmos direitos que todos (!) os outros trabalhadores tem. Talvez esteja em tempo de pensarmos em alforriar os animais de estimação.

PS2: Por coerência com estes sentimentos, nunca tive empregada que dormisse no serviço, e hoje, apesar de ter duas filhas de 9 e 3 anos, e trabalhar fora de casa, não tenho empregada doméstica todo dia. Contrato os serviços de uma faxineira duas vezes por semana e uma passadeira de 15 em 15 dias, que chegam na hora que querem, fazem o serviço e vão embora na hora que querem. Trato as duas não como se fossem "da família", mas como seres humanos dignos, que provêm um serviço que preciso e pelo qual são remuneradas. Obviamente criei um laço afetivo com as duas, mas não uso este laço para pedir que façam mais do que o serviço contratado. Tive dois hamsters e um peixe como animais de estimação, logo que me casei. Depois disto percebi a crueldade do que estava fazendo, e me prometi nunca mais fazer isto.

17 de agosto de 2015

Aula de Fotografia

Minha irmã me emprestou um livro ótimo: 


Não vou falar do livro por que vale MUITO a pena ler.

Não sou fotógrafa, não sou artista, não sei fazer isto direito, não estou aqui para ensinar fotografia para ninguém.

Mas me deu vontade de testar algumas ideias, então aqui vão minhas primeiras fotos depois de lê-lo.

"Timidez" Ana Rodrigues 2015


"Tecnologia" Ana Rodrigues 2015



"Nave mãe" Ana Rodrigues 2015

E por fim, a minha preferida:

"Prazer" Ana Rodrigues 2015



5 de junho de 2015

Encontrando a paz... nos outros.

Eu gosto de livros de auto-ajuda.

Gosto do jeito simples de explicar uma ideia e repeti-la com diversos exemplos que você pensa: "puxa, eu sou/já fui assim". Gosto de fazer os exercícios no final dos capítulos e me sentir suuuper inteligente (sim, eles são feitos para você acertar todas as respostas e se sentir suuuuper inteligente).

Gosto de como, em cada um deles, eu acho uma oportunidade para aprender alguma coisa, e me tornar uma pessoa melhor.

Claro que tem livros e livros de auto-ajuda. Eu curto os sobre personalidade e relacionamentos: "Homens são de marte, Mulheres são de Vênus", "59 segundos", "Crianças francesas não fazem birra". Mas não gosto muito dos relacionados à carreira e dinheiro:"Os 10 hábitos das pessoas bem sucedidas", "Pai rico, filho pobre"(?), "Quem mexeu no meu queijo".

Meu marido nunca gostou. Ele prefere romances de 500 páginas e ficção, que eu também gosto, mas gosto de alternar algo "artístico" com algo mais leve e "pé no chão". Por isto, fiquei meio espantada quando ele me recomendou um livro de auto-ajuda: "Comunicação não-violenta" (Non-violent communication - versão em inglês para o Kindle aqui e versão em papel em português aqui).

A história começou quando eu estava reclamando com ele sobre um dos pontos de atrito que o nosso casamento tem (como todos).  Depois de 12 anos juntos, a gente se acostuma a um certo padrão de briga.

Quem nunca?
No nosso caso era:
- Eu reclamo de algo.
- Ele diz que não fez.
- Eu digo que fez sim, em um tom mais agressivo.
- Ele se justifica, dizendo que, se fez, a culpa de alguma forma foi minha ou de terceiros.
- Eu falo que ele fez mesmo, e que a culpa foi dele sim, já que quem devia ser responsável era ele. Se eu ou terceiros fizemos alguma coisa, ele devia ter lidado com a situação.
- Ele se cala.
- Eu continuo acusando ele e relembrando situações passadas onde isto aconteceu exatamente do mesmo jeito, cada vez mais frustrada e com raiva.
- Ele continua calado.
- Eu desisto de brigar, e saio de perto, chateada.
- Duas horas depois, ele volta pedindo desculpas, que eu aceito, mas saio com a sensação de que tudo vai acontecer de novo (e acontece).

Neste dia, depois que eu reclamei, ele me respondeu:
- Entendo o que você está sentindo. Você quer que eu não faça mais [motivo da reclamação] porque faz você se sentir ignorada. Para mim é difícil fazer isto quando estou fazendo outra coisa ao mesmo tempo. Mas vou tentar com mais atenção da próxima vez. Me desculpe.

Eu fiquei calada. Espantada. A raiva que eu estava sentindo sumiu. Minha vontade era perguntar:
- Quem é você e o que você fez com meu marido?

Eu tinha sido ouvida. Eu percebi que era difícil para ele, e consegui empatizar (afinal, eu estou casada com ele porque gosto dele, certo?). Ao invés de ficar com raiva dele, eu agora queria ajuda-lo. Por que é difícil? Tem algo que eu possa fazer para que não seja? Como nós dois podemos fazer funcionar?

Ao ver minha reação, ele também ficou impressionado. Me disse então que estava lendo o livro, que um amigo tinha indicado. Eu imediatamente fiquei curiosa. E comecei a ler.

Todos que me conhecem sabem que eu sou "enfática" nas minhas opiniões (esse é um jeito bem não-violento de falar que eu sou brigona). Que não consigo ouvir uma opinião que eu acho errada e deixar por isto mesmo. Que eu reclamo publicamente de piada racista, homofóbica ou sexista. Que eu compro briga com gente egoísta em aeroporto e mando carta para a escola por causa do fato do professor de educação física fazer sempre competições meninos x meninas. Que eu escrevo no meu blog reclamando de filme infantil. Bom, que eu tenho este blog.

Mas qual o meu objetivo com tudo isto? É brigar? Claro que não. É mostrar para as pessoas que elas estão erradas, e que deveriam fazer as coisas de outro jeito. E quase sempre isso não funciona. Nem um pouco. Na maioria das vezes, elas saem com raiva de mim, e com exatamente a mesma opinião, ou mais radicais ainda. Algumas vezes elas me tratam com condescendência ("não precisa levar isto tão a sério"). Algumas vezes ficam em silêncio. Raramente concordam comigo. Frustante. Irritante. Para mim é tão óbvio, por que eu não consigo mostrar para as outras pessoas???

E o resultado é que eu fico irritada boa parte do meu tempo. Quando eu não falo, fico irritada. Quando eu falo e a pessoa não concorda comigo eu fico irritada. Quando eu falo e a pessoa me trata como uma histérica, eu fico irritada. E aí eu comecei a achar a vida péssima. O tempo todo vendo como os outros estão "errados" e eu, sozinha na minha certeza absoluta. Horrível.

Então eu comecei a ler o livro. Nem tinha lido ele todo quando fui em uma reunião, e uma pessoa falou algo que me irritou profundamente. Achei insensível, fora de contexto. Saí da reunião cuspindo marimbondos. Cheguei em casa e escrevi um e-mail no jeito que estou acostumada. Provava para ela por A+B como ela tinha sido insensível e errada. No final, sobrou aquela sensação de "Acabei com ela". Me senti melhor? Nem um pouco. Sabia que a reação dela ia ser péssima, falando que eu que estava errada, que ela não tinha dito nada daquilo, que eu que estava entendendo tudo torto.

O livro fala que confundimos agressividade com razão. Achamos que para mostrarmos que estamos certos, precisamos falar alto, acusar, destruir o argumento do outro. Somos acostumados à uma ideia de que duas pessoas não podem estar certas e ter ideias diferentes, então, se estamos certos, o outro deve estar errado. E o jeito de mostrar isto é acusá-lo, atacá-lo, agredí-lo.  

Mas Gandhi diz que "Não-violência é a arma do forte". O livro, escrito pelo neto do Gandhi, explica que NVC (non-violent communication) consiste basicamente em (leia o livro, isto é só um resumo muito, muito limitado):
1) Empatizar com o seu interlocutor. Ou ele quer a mesma coisa que você e vai te ajudar, ou nem adianta comunicar. Se você já entrar na conversa achando que tem que "ganhar a discussão", ele vai plantar o pé do outro lado, e ninguém vai se mover da posição que começou.
2) Não critique, julgue ou acuse o outro. Assuma que todo mundo tem boa intenção, mas pode não ter as mesmas opiniões ou informações que você. Mesmo pessoas que tem ideias completamente opostas às suas podem ser boas, bem intencionadas e estar certas.
3) Fale sobre os seus sentimentos e o que você precisa que a outra pessoa faça de forma clara, sem exagerar, acusar ou chantagear. "Você foi agressiva demais" é péssimo. "Eu gostaria que você usasse outro exemplo para falar deste assunto pois eu me sinto desrespeitada quando você usa este exemplo" é bem mais palatável.

Apaguei tudo que escrevi, e comecei de novo. Um sentimento estranho tomou conta de mim. À medida que fui escrevendo, a raiva foi passando. Fui tentando ver pelo lado dela. Qual era o objetivo por trás da fala dela? Neste caso, era que conseguíssemos educar nossos filhos para que eles fossem responsáveis por eles mesmos e pelo mundo em que vivem. Eu consigo apoia-la neste objetivo. Nossos caminhos são diferentes, mas nosso objetivo é o mesmo. Eu comecei a pensar no que exatamente eu gostaria que ela não fizesse mais, e como eu me sentia a respeito. Me senti muito frágil, falando que estava mudando meu jeito de ser, e que queria tentar abrir uma ponte de diálogo com ela. Sabia que ela poderia responder o e-mail falando "problema seu", e seria doloroso, pois eu estava me expondo. Sabia que ela poderia nem responder o e-mail, e seria doloroso, pois eu me sentiria rejeitada ao me expor. Mas era melhor do que a raiva, muito melhor. Mandei.

No dia seguinte, ela me respondeu. Pela primeira vez, em cinco anos que convivemos, a resposta dela aos meus questionamentos foi positiva. Falou que sentia muito por ter sido agressiva sem notar, e que não usaria mais aquele exemplo. E que estava aberta para conversarmos sempre. Eu juro que ouvi coro de anjos dizendo "Aleluia". Essa deve ter sido a décima vez que eu batia de frente com ela, e todas as vezes tinham sido horríveis. Eu tinha uma raiva enorme desta pessoa. E, de repente, a raiva sumiu, e eu me senti próxima dela. Senti que podíamos conversar. Foi uma sensação muito, muito boa.

Isto tem dois meses. Neste tempo, decidi aplicar NVC a todos os momentos em que eu sentia raiva. Não funciona sempre, claro. Se eu beber álcool, então, fica muito mais difícil. Mas eu fui encontrando a paz. 

Quando alguém me fecha no trânsito, eu penso que talvez ele tenha um bom motivo para me cortar, que está com o filho gritando no banco de trás, que está estressado por causa de um problema de saúde na família, que está distraído por causa do telefone apitando a cada dois segundos. 

Quando alguém me critica, eu lembro que o que eu estou fazendo está incomodando aquela pessoa por motivos que são dela, não meus, e ela fica agressiva porque eu estou fazendo o que ela gostaria de fazer, mas não pode. Eu acolho o sentimento dela, ("Você acha que eu não deveria comer doce em plena terça-feira por que eu estou acima do peso? Eu estar fazendo isto faz com que você queira comer doce, mas você está de dieta, e isto te frustra?") e a raiva dela passa. A gente conversa sobre a pressão da sociedade para que estejamos sempre controlando o que comemos, e estamos do mesmo lado. 

Eu ouço um amigo que trabalha criando estratégias para vender cada vez mais, enquanto eu defendo um mundo com menos consumismo. Mas eu penso que ele quer promover seus gerentes, que vieram de família humilde, e que nunca tiveram acesso ao básico, que dirá ao supérfluo, e vejo que ele, também, quer um mundo melhor para todos. A gente conversa sobre como podemos evitar o desperdício na loja dele, e estamos do mesmo lado.

Bater de frente com alguém só vai gerar dor de cabeça. Mesmo pessoas com opiniões completamente diferentes das nossas também querem o mesmo. Ser felizes e queridas*. Comunicação violenta não resolve a vida de ninguém, não faz ninguém mudar de ideia, impede que você consiga o que quer e faz todo mundo se sentir muito mal. NVC talvez ajude. 

E eu sou, muito, muito mais feliz hoje.

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* PS.1: Um excelente documentário no Netflix, chamado "Happy" discute o que nos faz felizes. MUITO bom. Faz a gente repensar tudo, sobre como corremos atrás de coisas que deveriam nos fazer felizes, e não fazem, e ignoramos as que poderiam nos fazer felizes de verdade. Vi duas vezes no mesmo dia (uma sozinha, e outra em família).

PS.2: Este post foi publicado com o consentimento do meu marido, uma vez que estou contando publicamente como nossas discussões aconteciam. 


30 de maio de 2015

Acima da Média

Esta semana o assunto entre as mães da turma da minha filha de 8 anos era o fato de que a escola parou de enviar um gráfico que mostrava as notas do seu filho comparada com a média da turma.

O ponto importante aqui é que a média neste caso era a média das notas dos alunos da turma, não a média para passar (15 em 25 no caso). Nos últimos dois anos, (1a e 2a série), as médias da turma era em torno de 22, ou seja, bem acima da média necessária para passar.

Eu me posicionei a favor da escola e comentei que tinha pedido que isto fosse feito no ano passado, porque vejo três grandes problemas com este gráfico:

1) Média é um lixo!

A média é uma medida muito pobre, como pode ser visto nesta tabela que eu criei com notas de 4 alunos (A, B, C e D) em quatro turmas (T1, T2, T3 e T4). As quatro turmas tem perfis completamente diferentes! Na primeira turma, todo mundo tirou a mesma nota. Na segunda, metade foi horrorosamente mal, enquanto metade foi perfeita. Na terceira turma, ninguém está muito bem ou mal e na última todo mundo está quase na média. Entretanto, todas as turmas tem a mesma média!

Média de quatro turmas, todas iguais a 15. As turmas são iguais?
Média só faz sentido quando os valores envolvidos estão dentro do que chamamos de "distribuição normal", ou seja, a maioria dos valores está próxima da média. Para calcular se a média faz sentido, foi inventada uma outra medida, chamada Desvio Padrão. O desvio padrão calcula o quão longe da média os valores em geral estão.

Com o desvio padrão melhora... um pouco.

Associando a Média e o Desvio Padrão já é mais claro o que está acontecendo! A T1 tem média de 15, mas seu desvio padrão é 0, ou seja, todo mundo tirou 15. Na turma 2, o desvio padrão é 15, ou seja, as notas variam de 0 (media - desvio padrão) a 30 (media + desvio padrão). A turma 3 é um pouco mais homogênea, e a turma 4 é ainda mais homogênea (quanto menor o desvio padrão, mais homogênea).

Ou seja, média sozinha não vale nada.

2) Quem está abaixo desta média da turma se sente mal na escola, desnecessariamente.

Crianças que tenham nota abaixo da "média" da turma, se sentem falhando. Mesmo que a nota seja bem maior do que o mínimo necessário para passar. Minha filha, por exemplo, ficou super chateada por ter tirado 21 em Artes, quando a média da turma foi 23. Eu expliquei para ela que notas acima de 16 já eram boas, acima de 20 eram excelentes, mas lá estava o gráfico, mostrando de forma clara para ela que ela estava "aquém".

E, como vimos acima, pela definição, se a distribuição for mais ou menos equilibrada, metade das crianças estará abaixo da média! Existirão crianças que, por motivos vários (serem mais novos, por exemplo), estarão abaixo da média da turma em todas as matérias, mesmo que tenham nota suficiente para passar de ano. Imagina a tristeza!

3) Para quê incentivar competição na educação?

"Se meu colega tira uma nota maior que a minha, ele aumenta a média, e eu posso ficar abaixo".
"Meu filho está sempre acima da média em todas as matérias".

Estes não são sentimentos bons. Nem úteis. Nossa sociedade complexa, desafiadora, e cada vez mais egoísta, não precisa que coloquemos mais lenha nesta fogueira.

Existe um ramo da matemática aplicada, chamado Teoria dos Jogos, que estuda situações estratégicas onde jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno.

Na Teoria dos Jogos, estratégias diferentes devem ser usadas para dois tipos diferentes de situações:
  • Zero sum games (Jogos com soma igual a zero): situações onde alguém só pode ganhar se outro perder. Competições esportivas, por exemplo, são "zero-sum", para alguém ganhar, o outro tem que perder.
  • Non-zero sum games (Jogos com soma diferente de zero): situações onde quando um ganha, outro também ganha, ou pelo menos não perde. Situações onde o todo é mais do que as partes. Cooperativas, mutirões, associações, são exemplos.
Educação é "non-zero sum", quando um ganha, todos ganham. Nossos filhos tem talentos especiais, únicos. Trabalhando juntos, ajudando os que tem mais dificuldade, todos ganham. Estimular competição neste tipo de situação só torna a vida de todos pior.

A maioria das escolas hoje defende (corretamente) que excelência nas notas não é previsão de sucesso, inteligência, ou qualquer outra forma de "superioridade". Ter um mínimo para passar é fundamental para avaliar o desenvolvimento da criança. Além disto, cada criança pode comparar as próprias notas ao longo dos bimestres para tentar melhorar em alguma disciplina.

Isto é uma comparação justa. A média não.

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PS: Obrigada, Maple Bear Santa Lúcia em BH, por ter feito esta mudança, que combina perfeitamente com os princípios construtivistas que a escola defende.

4 de maio de 2015

Espécie: Ingênuo Bem Intencionado. Habitat natural: a internet. População: Em risco de extinção.

Muito se discute e fala a respeito dos Trolls, aquelas criaturas raivosas que reclamam, discutem e xingam nas áreas de comentários da internet. Mas existe um tipo muito mais curioso na internet, e muito mais raro, o Ingênuo Bem Intencionado.

Presente em quase todos os sites que permitem comentários, o Ingênuo Bem Intencionado é sempre calmo, conciliador, simpático. Raridade completa na fauna da internet, seria um excelente moderador, se fizesse a mínima ideia do que é a discussão em questão.

Acompanho sites sobre Parto, onde a defesa de Cesárea x Parto Normal é sempre acalorada, carregada de sentimentos fortes e, não raras vezes, de insultos. Geralmente o Ingênuo Bem Intencionado se manifesta assim:
A: - Parto normal é coisa de india sem cultura!
B: - Cesárea é coisa de mãe sem coração!
A: - Você quer que seu neném morra com o cordão no pescoço!
B: - Você não liga se seu neném for maltratado na hora do parto!
Ingênuo Bem Intencionado: - Gente, cada uma tem direito a escolher. Não precisamos brigar! :)
Outro lugar irresistível são posts do Facebook com piadas meio agressivas:
Piada: O que são 100 advogados no fundo do mar? Um bom começo.
Ingênuo Bem Intencionado: Ooooo, que maldade! Meu tio é advogado, e ele é uma pessoa ótima. Ele não sabe nadar. Vocês não deviam brincar com estas coisas... :( 
Piada: (foto de uma pessoa no sofá lendo no celular) "Você já está vindo?" (e respondendo com uma cara sarcástica) "Já, estou no ônibus."
Ingênuo Bem Intencionado: Se você não queria encontrar com ele, era só dizer. Não precisa mentir. :(
Quando eu imagino a pessoa por trás destes comentários, eu sempre me encanto com a inocência desta pessoa, que, afinal de contas, está na internet! Imagino uma velhinha de cabelo branquinho, que ganhou um iPad da filha para ver as fotos da netinha, que aprendeu a digitar em máquina de escrever, nos olhando do alto dos seus 80 anos de sabedoria, e pensando, "Meninos, prá que brigar..."

Imagino aquele senhor que vendia picolé na loja da esquina da cidade de interior, que sempre estava dormindo quando eu ia comprar picolé de amendoim com coco. Imagino que o filho dele colocou um computador na loja para ele usar o Excell para fechar as contas no final do mês. E quando este senhor descobriu que o jornal dele que parou de chegar na porta foi parar "lá", na internet, ele aprendeu sozinho a entrar na área de comentários. Mesmo sem saber quem é Ahmadinejad e como é o Irã, escreveu solene sob a notícia:
Ahmadinejad diz que iranianas deveriam se casar aos 16 anos  
Ingênuo Bem Intencionado: Não concordo. 16 anos é muito cedo, as meninas deviam ver um pouco do mundo e se formar antes de casar.
É difícil imaginar alguém novo fazendo um comentário destes. Meninos e meninas de 9 anos hoje já tem Twitter, Instagram, grupo do Watsapp e saíram do Facebook porque os pais entraram. A era desta ingenuidade pura, desta bondade simples, pertence à outra época, onde a informação era difícil, e seus amigos estavam na casa do lado, na sua rua.

Não estou defendendo os "velhos tempos", porque é esta mesma quantidade brutal de informação que torna possível sabermos de grandes ideias do mundo todo (TED), comunicarmos com nossos parentes que estão longe, conhecer pessoas e lugares que nunca poderíamos ir, ler e ver mais em um ano do que na vida inteira de nossos pais.

Mas me parece que estamos vivendo também na era do sarcasmo, da agressão, da dificuldade de ouvir. Temos tantas formas de falar para o mundo, mas me parece que estamos gritando para o nada. E aí, o Ingênuo Bem Intencionado vem e mostra a poesia do simples. Cala a discussão. Para no vazio. Não tem como continuar a discutir, brigar. Ele tem razão.

Não precisamos brigar. Não devíamos desejar que advogados morressem. Não precisamos mentir. As meninas deviam ver o mundo e se formar antes de casar. É simples.

Agora só temos que fazer acontecer.


"É mais importante ser gentil do que ser inteligente ou bonito."
Ricky Gervais como  Derek.

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BÔNUS: Origens do Ingênuo Bem Intencionado

Acredita-se que o ancestral mais conhecido do Ingênuo Bem Intencionado seja o Doido de Palestra. O Doido de Palestra é aquele sujeito que passa a palestra inteira ouvindo, concentrado, só esperando a hora das perguntas. Depois de uma ou duas perguntas relevantes, ele levanta a mão e faz um longo comentário, que inclui parte da vida dele, completamente sem sentido, e, no final, pergunta ao palestrante o que ele acha disto.
Espécime real encontrado em campo: 
Palestrante:  - Esta plataforma é um sistema que permite que empresas cadastrem seus problemas tecnológicos e que outras empresas possam entrar em contato para resolver estes desafios, através de um cadastro contendo as informações... (mais duas horas de detalhes técnicos)... Alguma dúvida? 
Doido de Palestra: - Eu tenho uma. Eu sei que existe, porque eu li na internet, que tem um negócio chamado ar líquido. Você já ouviu falar? 
Palestrante: - hummm... (olhar confuso) 
Doido de Palestra: - Então! O maior desafio tecnológico hoje é o armazenamento de energia, certo? O ar líquido armazena 800 vezes mais moléculas do que o ar normal. Se a gente armazenar energia no ar líquido, vamos ter 800 vezes mais energia! Eu sei que vai dar certo, porque meu primo é engenheiro e me falou que quem já tentou fazer isto foi calado por forças do governo, que querem a energia cara. O que você acha desta ideia?
Palestrante: - Mais alguma pergunta? 
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Se gostou deste post, não deixe de assistir o excelente Derek, o único seriado que eu conheço sobre a bondade. Também não perca os TEDs, que são palestras de 15 minutos feitas no mundo inteiro contendo "Ideias que valem a pena ser disseminadas", sobre todos os temas possíveis, como biologia, artes, engenharia, culinária e mágica. Por fim, a palestra acima foi sobre a plataforma iTec, uma plataforma de verdade na internet que permite que empresas contem seus problemas tecnológicos e empresas de tecnologia postem soluções, de forma a aproximar pesquisa e indústria, universidades e sociedade, problemas e soluções.

Se não gostou deste post, trolla nos comentários! :)

8 de março de 2015

A mensagem que eu queria no Dia da Mulher


Neste dia da Mulher eu não te darei flores, nem te chamarei de linda, nem farei poemas fofos com palavras como amor e forte. 

Não te classificarei pela sua ocupação profissional (enfermeira, mãe, policial) nem pelas qualidades que você tem aparentemente só por ser mulher (paciente, atenciosa, carinhosa). 

Neste dia da Mulher, eu te desejo pagamento igual ao dos homens, te desejo a sorte de não ser uma das sete mulheres em cada dez que sofrerão algum abuso sexual durante a vida, te desejo que você seja respeitada em suas escolhas sexuais, profissionais e afetivas, e que seu corpo, sua cor e seu peso não sejam medida do seu valor. 

Por fim, te desejo a amizade e a solidariedade de todas as mulheres na sua vida, para que esta luta seja feita ao lado de quem você ama. 

Feliz dia da Mulher.

20 de fevereiro de 2015

50 tons de cinza: os livros, o filme, e como tudo isso tem a ver com a propaganda da Dior

Como já publiquei aqui,  eu li 50 tons de Cinza. Acabei lendo os três livros, e agora vi o primeiro filme. Mudei muito de idéia desde que escrevi aquele primeiro post. 

O livro (e o filme) é muito machista, a personagem principal é uma tonta, o poder do dinheiro como arma de sedução/convencimento é muito claro. Assim como o livro é mal escrito, o filme é mal filmado (tem uma cena em que ela chora, e a chuva escorre na janela junto, beeeemmmm piegas).

Mas eu não conseguia parar de ler, tanto que acabei lendo os três. E achei excitante sim (só o livro. O filme é uma grande bobagem [detalhes abaixo]). Pelo menos para mim, o livro trouxe:
  • A oportunidade diária de pensar em sexo, o que é muito, muito, muito, muito difícil quando se tem duas filhas, casa e trabalho enchendo o saco o tempo todo.
  • A descrição literal de cenas de sexo explícito, o que é raro na nossa cultura, onde as opções são romances água com açúcar e pornografia. Concordo que as cenas do livro são quase como pornografia, mas, acreditem ou não, Anastacia sempre sente muito prazer nas transas com o Gray. Sempre achei que nos romances faltava pimenta, e na pornografia sobrava sofrimento da mulher.
  • Sobre o sado-masoquismo mostrado no livro (e muito mais diluído no filme) eu só fui entender por que me dava tesão quando li outro livro: “O Mito da Beleza”. 
A submissão feminina é um fetiche que está em toda a nossa sociedade. Basta ver qualquer revista de moda, propaganda de qualquer coisa, para ver como o “sexy” geralmente é uma mulher sendo agarrada meio a força, ou assustada, ou violentada.

Como exemplo, colei abaixo uma pesquisa randômica que fiz. Entrei no Google, digitei "Dior", fui nas imagens. Faça o mesmo para marcas famosas de roupa, perfumes, e vai se espantar com o resultado.

Pesquisa randômica 1

Pesquisa randômica 2

Pesquisa randômica 3


Não achamos isto sexy porque É sexy. Achamos sexy porque desde pequenas somos ENSINADAS de que isto é o sexy. Onde estão as imagens de pessoas que se amam fazendo sexo de forma consensual, com prazer mútuo? Em lugar nenhum (como já constatei aqui). 

Então, depois de ler o “O Mito da Beleza”, confesso que perdeu a graça. Quando entendi que o sentimento de tesão que eu sentia não era meu, era imposto pela propaganda, a ilusão se desfez, e a idéia de que isso era sexy desapareceu.

Para quem não leu os livros,  ainda acho que vale a pena ler pelo menos o primeiro livro (e é pena mesmo, porque é dureza). Nem que seja para entender como a mulher é representada, o fenômeno de popularidade que foi e testar as próprias reações (vendo como, mesmo sem querer, somos influenciadas pelo que a mídia nos mostra diariamente). 

Sobre os filmes? Vi o primeiro, sozinha, por absoluta falta do que fazer (estava em um shopping esperando meu marido, em uma cidade estrangeira). Nem a parte do sexo quente (no caso, morno) salva, na minha opinião. Os dois atores são fracos. Um bom texto na mão deles já seria difícil decolar, este texto linear, fraco e sem grandes falas, fica monótono. Segue ao livro à risca, e não toma nenhuma liberdade artística de tentar salvar o que é, no fundo, uma história sobre o poder do dinheiro.

Dinheiro, que, como disse uma grande amiga, não vou continuar a dar para financiar este tipo de produção. Por isto, não devo ver os outros dois. Mas fico feliz que a polêmica em torno dele permita que possamos discutir mais abertamente feminismo, propaganda, violência e sexo.

30 de janeiro de 2015

O Grande Deus das Formigas

Já ouvi muitas vezes pessoas dizendo que não podemos entender Deus, e suas razões, da mesma forma que as formigas não nos entendem. Deus é grandioso demais, complexo demais, para nossas mentes simples.

Explorando o outro lado esta ideia, e se Deus realmente enxergar os seres humanos como nós vemos as formigas?

Ontem, enquanto tomava banho, fiquei impassível vendo uma formiga se afogar no fundo da banheira. Eu poderia tê-la salvo facilmente. Provavelmente ela estava em sofrimento, chamando por ajuda. Talvez até tivesse alguma consciência de que eu estava ali, ao seu lado, decidindo a qualquer momento se ela deveria viver ou não. Mas não fiz nada.

Existem, como ela, milhões de formigas. Que destroem coisas que eu criei. Que invadem meus armários e comem minhas coisas. Que são exatamente iguais umas às outras para mim. Com as quais eu não me importo.

O Grande Deus das Formigas, é uma grande quantidade de entidades, os humanos, que são tão responsáveis pela criação do Universo quanto eu sou responsável pela criação das montanhas de Minas Gerais. Este Deus está mais para um bando de gerentes, que mudam as coisas de lugar, e as formigas atrapalham.

De vez em quando, grandes desastres vem atingir a população, como a enchente que provoquei na minha jardineira. Eu só queria molhar as plantas, mas esqueci a mangueira ligada por 30 minutos. O vizinho de baixo ligou avisando que estava transbordando. Chequei lá e vi uma dezena de formigas na borda da jardineira, tentando voltar, perdidas, para o fundo da terra. Umas duas boiando em pequenas ilhas que sobraram, outras agarradas à folhas. Na cabeça (?) delas, provavelmente se sentiam salvas por milagre. As bolhas de ar subindo no canto da jardineira me lembravam dos corredores no fundo da terra, onde a rainha e muitos dos seus filhotes e ovos provavelmente morriam afogados. Meu sentimento? Agora vou poder plantar tomates que não serão contaminados pelo mofo do qual as formigas se alimentam.

Não estou aqui defendendo que convivamos em paz com as formigas. O mesmo raciocínio se aplica à mosquitos, baratas, bactérias. O que estou querendo dizer é que, se Deus existe, é assim tão grandioso, não é muita pretensão nossa achar que ele se importaria com uma praga de milhares de insetos?

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...