10 de outubro de 2021

Fui abandonada por Ted Lasso. Mas não vou reverter à barbárie, apesar de ser minoria.

Cadê as minorias mesmo?
 Terminei de assistir à segunda temporada de Ted Lasso.

Me sinto traída, abandonada, enganada.

A primeira temporada, que merecidamente ganhou diversos prêmios, foi um alento de alegria, bondade, bom humor em um ambiente televisivo marcado pela pandemia, tristeza, amargura. 

Ted Lasso chegou prometendo, e entregando, uma nova versão do masculino e do feminino, um mundo onde éramos mais gentis, mais abertos, mais felizes. Engraçado e delicado, confesso que chorei em vários episódios. O final da primeira temporada redefiniu o que era ganhar, o que era uma relação saudável, o que era amizade e amor. Um primor.

Começa a segunda temporada, e o clima é diferente. O primeiro sinal de que as coisas seriam diferentes foi o relacionamento de Sam Obisanya com sua chefa, Rebecca. Em plena era pós #MeToo me pareceu imperdoável que Rebecca ficasse incomodada com o fato de ser mais velha do que ele, mas não de ser chefa dele! Já comecei a torcer contra o casal.  No final da temporada (SPOILER), ele fica sem ela, sem a oportunidade de ser o jogador mais importante de um time no seu próprio país, e decide... abrir um restaurante?

O segundo ponto é o arco de Natan. O personagem vai crescendo durante a segunda temporada, não de uma forma saudável. Natan começa a disputar poder com Ted, mostrando sinais de ganância, superficialidade. Ao questionar o Coach Beard "Vocês às vezes não sentem vontade de ser o chefe?", recebe uma resposta surreal nas linhas de: "Segundo o trabalho de fulana, árvores crescem sem disputar o sol. Elas são uma comunidade socialista, não de competição." Isso não faz o menor sentido em um ambiente onde claramente tem um chefe (Ted). E o que Natan queria era apenas ser reconhecido por seu trabalho e suas ideias, que é exatamente o que Ted faz no final, mostrando que Natan estava certo em querer isto... 

Quando Natan chega a beijar Keeley, em seu projeto de se aproximar do poder pagando por roupas caras e, logo, merecendo a mulher bonita, Roy não considera ele uma ameaça, a ponto de nem se irritar. O problema de Natan não é o que ele faz, ou deixa de fazer. O problema é que ele quer a atenção dos poderosos, Ted e Roy (este último, inclusive, é um dos roteiristas da série). Natan termina seu processo em direção ao sucesso mandando Ted se fuder e indo trabalhar para o "inimigo".

Por fim, e o mais problemático na minha opinião, é o personagem do bilionário Edwin Akufo. Sedutor, conhecedor de arte e boa comida. Oferece a Sam poder, fama e muito dinheiro, além da oportunidade de melhorar seu país natal e ter orgulho de sua origem africana. Bilionário, tem aos seus pés tudo que quer. Entretanto, quando Sam recusa sua oferta, ele reverte à barbárie. Ameaça arruinar a vida de Sam, ao que este responde sorrindo e achando graça. Akufo então descreve como irá defecar na casa onde Sam nasceu, queimar tudo, e defecar novamente em cima das cinzas; enforca um manequim e, novamente, mostra que está defecando sobre ele. Tudo isto sob o sorriso incrédulo de Sam, que parece contente de saber que fez a escolha certa: ser o terceiro jogador em um time pequeno, atrás do homem branco, e da mulher branca que nunca será dele.

O problema com estes arcos é que estas são as poucas representações de minorias com algum tipo de poder na série. Enquanto os personagens brancos (Ted, Rebecca, Keeley, Roy, Coach Beard, Jamie and Higgins) tem seu privilégio garantido e não questionado, a ascensão de Natan ao poder, assim como de Akufo, resulta em personagens cobertos de ódio, rancor, ameaça e traição (e fezes e cuspe...). A mensagem não podia ser mais clara: oferecer às minorias poder é inútil, porque eles não sabem o que fazer com ele. Os exemplos de "boa minoria" são de Sam, obediente, subserviente aos interesses dos brancos, versão moderna do "negro que ri" (sim, ele sorri o tempo todo); e da Dra. Sharon, versão moderna da negra sábia, que, quando trata de Ted Lasso, acaba com ele "fazendo dela uma melhor terapeuta" no processo. Os roteiristas estavam tão desorientados com uma personagem negra inteligente e bem sucedida, que tiveram que desaparecer com ela, literalmente, sem dar uma explicação. A pessoa que veio resolver os problemas do time acabou mentalmente desestabilizada... porque o Ted Lasso resolveu fazer terapia.

Voltando ao meu sentimento de abandono... Terminei a série triste. Tenho visto séries populares fazendo essa gracinha comigo. Eles começam com uma premissa super moderninha:

- Modern Family: família de gays, imigrantes, divorciados;

- Weeds: mãe de família vendendo drogas;

- Ted Lasso: homens sensíveis e gentis, mulheres independentes e inteligentes;

- For All Mankind: mulheres astronautas.

A primeira temporada ganha seu coração, e abre sua mente para o que está por vir. Então, a guinada. Valores conservadores e racistas vão tomando conta. As mulheres pagam preços caros por sua independência (geralmente são bem sucedidas, mas sozinhas e sem amor). As minorias ou apoiam os brancos dominantes, ou são estereotipadas e transformadas em bandidos. Eu ficaria mais triste, se não achasse que é de propósito. Que é uma forma discreta (e eficiente) de furar a bolha, e ganhar os ouvidos de uma platéia jovem, liberal e moderna, lentamente apresentando conceitos e ideias mais velhas do que o futebol.

Agora fico de olho: se tem gente bebendo álcool o tempo todo, já desconfio. Se estão fumando, é batata. Não vou reverter à barbárie. Vou colocar meu ponto de vista, de maneira clara e madura, neste post. E escolher melhor com o que eu gasto meu tempo.

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...