8 de setembro de 2015

10 Razões pelas quais seu cachorro NÃO é seu filho

Desculpa, mas não.
Várias pessoas que não tem filhos, e algumas que tem (!), de vez em quando se revoltam porque o resto da sociedade não trata seus gatos ou cães como seus "filhos".

O mais recente foi uma reclamação no Facebook sobre uma família (um casal de idosos e sua filha) que foi "expulsa" da Boca do Forno São Bento porque estavam com uma cadela (a empresa nega que foram expulsos, dizendo que eles pediram para que eles se retirassem, a família argumenta que isto é a mesma coisa que expulsar).

Eu não ia me intrometer, mas no argumento a filha diz que:

"Eu, meu pai e minha mãe (já idosos), fomos convidados pela funcionária, a nos retirarmos do local!!!!"
"Enquanto isso, crianças pequenas correm e gritam pelo ambiente, choram alto, pingam catarro e continuam lindamente lá!"

Opa, peraí.

Acho que agora foi longe. O fato de que crianças possam estar no estabelecimento NÃO te dá o direito de colocar o seu cachorro lá.  Existem, pelo menos, 10 razões pelas quais seu cachorro não é uma criança:

  1. Você não pode deixar seu filho em casa sozinho para ir lanchar.
  2. Você não vai castrar seu filho se não quiser cuidar dos netos.
  3. Você não vai dar os filhos do seu filho para estranhos (às vezes por dinheiro).
  4. Você não permitiria que alguém separasse seus filhos dos amigos e família dele quando ele fizesse 10 dias.
  5. Você não vai sacrificar seu filho se ele estiver doente e comprar outro filho parecido.
  6. Se seu filho for atropelado, você não vai descansar enquanto quem o atropelou não seja punido.
  7. Seu filho não vai fazer xixi e cocô em áreas públicas (incluindo restaurantes como a Boca do Forno).
  8. Você não vai separar seu filho de TODOS os outros seres humanos, fazendo-o conviver apenas com uma raça diferente da dele que decide quando ele vai comer, sair de casa, fazer sexo e se reproduzir para o resto da vida dele.
  9. Você não vai deixar seu filho com estranhos quando viaja.
  10. Seu filho não vai morder, latir e pular em estranhos (principalmente os que não gostam de crianças) em restaurantes.
Eu imagino que quem gosta muito de animais de estimação, acha que esta relação é boa para os dois lados. O humano tem um "companheiro" e o animal ganha casa, comida e roupa lavada. E é "da família".

Só que não é bem assim. Vou fazer um paralelo. Outra categoria que geralmente recebe esta conotação "como se fosse da família" são empregadas domésticas. Como mostra o excelente filme "Que Horas Ela Volta?", esta é uma forma disfarçada de tentar transformar em "bondade" uma relação que é basicamente de controle e submissão. Seu cachorro será "da família" até morder alguém. A empregada será "da família" até tentar dormir na cama da patroa. Ou comer na mesa da sala. Ou usar o banheiro social. Enfim, será sempre uma relação desigual.

Eu tenho um grande amor por todas as espécies de seres vivos (insetos menos um pouco). Por isto, não acredito que neurotizar um outro ser vivo, mantendo ele enjaulado pela vida toda seja amor. Um argumento interessante seria dizer que nós "domesticamos" estes animais, e que agora eles não tem mais condições de viver sozinhos. Verdade. Mas quando esta domesticação aconteceu, a gente também morava em comunidades rurais, com muito espaço, e os bichos viviam soltos! Ninguém foi evolutivamente selecionado para viver em área de serviço, sem janela ou espaço verde, de um apartamento no vigésimo oitavo andar. Nem bicho, nem gente.

Por fim, estudos indicam que os cachorros também não se sentem seus filhos. Eles entendem que fazem parte de uma matilha, onde eles estão na escala mais baixa. Por isto o comportamento submisso ("carinhoso"), entristecido ("dócil") e pacífico ("feliz"). Projetamos nos bichos nossos sentimentos de gratidão, amor e carinho, enquanto eles estão encarcerados, subjugados e isolados de qualquer chance de vida independente.

Não me espanta que, às vezes, fujam. "Fecha a porta, senão ele escapa".

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PS1: Escrever este texto me deu um desconforto extremo, por comparar os bichos de estimação com empregadas domésticas. Quero deixar bem claro que minha crítica aqui é ao tratamento similar que nossa sociedade dá para animais e domésticas, e o quanto ambos os tratamentos são terríveis na minha opinião. Inclusive, a ideia de que os animais domesticados não conseguiriam viver sozinhos era um dos argumentos dos senhores de engenho para não libertar os escravos, que seriam incapazes de viver sem a proteção do dono. Já estamos avançando em alforriar as domésticas, com a Lei da Doméstica, que ofereceu à elas quase os mesmos direitos que todos (!) os outros trabalhadores tem. Talvez esteja em tempo de pensarmos em alforriar os animais de estimação.

PS2: Por coerência com estes sentimentos, nunca tive empregada que dormisse no serviço, e hoje, apesar de ter duas filhas de 9 e 3 anos, e trabalhar fora de casa, não tenho empregada doméstica todo dia. Contrato os serviços de uma faxineira duas vezes por semana e uma passadeira de 15 em 15 dias, que chegam na hora que querem, fazem o serviço e vão embora na hora que querem. Trato as duas não como se fossem "da família", mas como seres humanos dignos, que provêm um serviço que preciso e pelo qual são remuneradas. Obviamente criei um laço afetivo com as duas, mas não uso este laço para pedir que façam mais do que o serviço contratado. Tive dois hamsters e um peixe como animais de estimação, logo que me casei. Depois disto percebi a crueldade do que estava fazendo, e me prometi nunca mais fazer isto.

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