13 de julho de 2012

Comédia Romântica, Branca de Neve e o feminismo

Assisti a três filmes nos últimos tempos no Netflix, com histórias bem diferentes, mas morais bem parecidas: "Presente de Grego" ("Baby Boom", 1987), "E se Fosse Verdade" ("Just Like Heaven", 2005) com a Reese Witherspoon, e "Voando Alto" ("View from the Top, 2003), com Gwyneth Paltrow. Todos são categorizados como "Comédia Romântica", ou seja, filme para mulher arrastar o marido/namorado/ficante para ver.

Carreira ou familia???



Histórias de fundo à parte, todos os filmes se baseiam em mulheres que se dedicam profundamente à carreira (elas são uma executiva, uma médica e uma enfermeira). E tem que escolher entre a vida pessoal/amorosa e esta carreira. Embora todas sejam extremamente bem sucedidas em seus ramos,  desistem de tudo pelo amor.

Desculpe-me se isto estraga os filmes para você, mas isso era meio óbvio, não? E este é o problema, o fato de que é ÓBVIO que uma mulher deve desistir de sua carreira e de suas aspirações para ser feliz, e completa. Que o que uma mulher precisa mesmo, não é ganhar dinheiro e ser bem sucedida, é criar filhos e ter marido. E eu comprei esta idéia. Basta ver meu post Carta Para Mim Mesma aos 36 Anos, onde eu conto como decidi ser feliz criando minhas filhas e trabalhando meio horário apenas.

O problema não é a idéia, é a total prevalência dela. Não existe (que eu saiba) um único filme onde a escolha da carreira para a mulher é vista com bons olhos. Existe uma associação chamada Miss Representation , que batalha para diminuir o sexismo na representação da mulher. Um dos lemas deles diz que "Você não pode ser o que você não vê". O modelo que vemos na mídia é este, e somente este. Mulheres poderosas são pouco representadas, e quando são, geralmente isto é uma coisa ruim (vide "O Diabo Veste Prada", e os "101 Dálmatas", citando dois com a Glenn Close*).

Neste sentido uma rara exceção é o recente "Branca de Neve e o Caçador". Não vou estragar o filme (porque este é recente), mas adianto que o papel da Branca de Neve não segue este padrão. Concordo com um excelente comentário no IMDB (em inglês no original, tradução a seguir) que diz:
An Artful Analysis of Femininity, Not a Bed Time Story2 June 2012
Author: portunhol_26 from United States
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The Evil Queen (played perfectly by Charlize Theron) is very appropriately symbolized by a raven: a carrion bird that feeds off of death for its own benefit. Her beauty is objectified...
She is particularly threatened by and benefits the most from the beauty of other women. She also obsesses about youth...
Snow White is the flip side of the same coin. She is beautiful without being objectified. She has no symbol but is almost portrayed as Mother Nature incarnate. She inspires, nurtures and heals. Instead of feeling threatened by the beauty around her she reveals in it. She brings out the best in others. It is clear that she does not need anyone to tell her that she is beautiful in order for her to feel that way...
This Snow White is refreshing because she is not a sex toy defined by her beauty. Though she is aided by men she is certainly not defined by them or helpless without them. She is also aided by other women for that matter. She knows who she is and struggles to realize her potential as best she can...
Her self-realization does not come at the cost of anyone else's, in fact, as she becomes freer so do all those who surround her. She does not need someone else to feel smaller for her to feel better. It's a wonderful message.
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Uma Análise Artística do Feminismo, não uma História para Dormir
Author: portunhol_26 from United States - Tradução Ana Rodrigues
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A Rainha Malvada (interpretada perfeitamente por Charlize Theron) é apropriadamente simbolizada por um corvo: uma ave de rapina que se alimenta da morte para seu benefício. Sua beleza é objetificada...
Ela é particularmente ameaçada e se beneficia da beleza de outras mulheres. E é obcecada com a juventude....
Branca de Neve é o outro lado da moeda. Ela é bela sem ser objetificada. Não tem símbolo, mas é representada como a incarnação da Mãe Natureza. Ela inspira, cuida e cura. Ao invés de se sentir ameaçada pela beleza ao seu redor, ela se revela. Ela busca o melhor nos outros. É claro que ela não precisa que ninguém diga a ela que ela é bela para que ela se sinta assim.
Este filme é uma novidade porque Branca de Neve não é um brinquedo sexual definido por sua beleza. Embora ela tenha a ajuda de homens, ela certamente não é definida por eles ou indefesa sem eles. Ela também recebe ajuda de outras mulheres, também. Ela sabe quem é e luta para realizar seu potencial da melhor forma possível...
Sua auto-realização não vem às custas de outrem, pelo contrário, ao se libertar, ela liberta os outros ao seu redor. Ela não precisa diminuir os outros à sua volta para se sentir melhor. É uma mensagem maravilhosa...

Eu vi o filme, e concordo! Precisamos de mais filmes onde as mulheres possam discutir seus papéis, e se tornar livres, poderosas e felizes. Se eu tivesse mais tempo, analisaria melhor esta questão tão profunda, mas agora tenho que ir alimentar minha filha...

E você, conhece algum filme que diga para as mulheres que é ok trabalhar? Deixe sua opinião nos comentários!

* Minha irmã depois me chamou a atenção que um deles é a Glenn Close, o outro a Meryl Streep. Eu sempre confundo as duas!!

Um comentário:

  1. Suas ideias deixaram-me com muita vontade de ver o filme da Branca de Neve e o Caçador. Esta análise dos conteúdos ideológicos dos produtos culturais contemporâneos (filmes, quadrinhos, novelas, entretenimento em computadores, etc.) é muito importante para quem deseja estar consciente no mundo.

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