28 de agosto de 2012

Recusa, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação*

Autor: Olivan Liger
Eu estava na frente do computador quando meu pai trouxe a notícia, iriam desligar as máquinas... senti-me impotente e odiei o mundo por tirar a única segurança que tinha: de que um dia casaria com ele.

As lágrimas desciam pelo meu rosto, sem controle, e, por dias, a única vontade que eu tinha era de morrer também. Não falava muito, certas dores são grandes demais para serem expressas com palavras. Achava que jamais amaria de novo, e que ele não tinha o direito de me deixar assim.

E foram muitos “se” que assombraram as minhas noites... se ele não tivesse saído sem capacete, se ele tivesse escapado de atropelar a mulher, se eu tivesse ligado para ele no dia, avisando do que poderia acontecer, se eu tivesse ido vê-lo quando soube do acidente... se ele não tivesse só 17 anos e fosse a paixão da minha vida.

Me senti obrigada a viver sozinha.

Eu já não tinha mais ninguém para quem ligar quando o dia dos namorados chegasse e eu não tivesse namorado. Não tinha mais ninguém para programar viagens que nunca aconteceriam. Não tinha mais respostas para as descobertas que eu fazia em meu corpo adolescente. Não seria “fofolete” nunca mais.

Tempos depois, escrevia cartas para ele, onde falava o que calei aos pais e conhecidos por muito tempo. Parecia que era mentira que ele tivesse morto, e, como ele nunca tinha respondido às cartas anteriores, convenci-me de que ele recebia as atuais. Falava e pensava nele como uma paixão platônica, e tentei reconstruir o amor que sentia por ele, acreditando que um dia estaríamos juntos. Ouvia "nossa música" o dia inteiro, chorando e escrevendo.


E passei a jogar a culpa de qualquer tristeza, de qualquer problema, naquela morte. Dava às dificuldades cotidianas o peso de uma tragédia irreparável, e conseguia nisto uma desculpa para sofrer imensamente e acreditar que era incompreendida. Isto foi amenizando a dor da perda, mas dando proporções absurdas para os tropeços da vida.


Dois anos depois do acidente, me apanhei culpando a morte trágica por uma nota ruim numa prova. Repentinamente, me achei ridícula. Olhei em volta e percebi amigos, colegas, um olhar interessado...

Abri os olhos pro mundo e pude, finalmente, sentir a falta dele. Percebi então que, sim, ele era bonito e inteligente, mas que também era convencido e arrogante, e não poucas vezes mentiu para que eu o amasse, sem nunca ter certeza se ele também queria um final feliz para nós dois.

A partir daí, senti a falta dele com restrições: tinha a foto dele na gaveta, mas não olhava, percebia que ele estava morto, e evitava ouvir a tal música, mas insistia para que todos que se aproximassem de mim soubessem o peso que carregava, o de perder um amor nos tempos áureos da puberdade. Queria que todos soubessem que estava vivendo, mas que deveria continuar pensando nele. Que aceitaria ser feliz, desde que ainda pensasse nele.

E, finalmente, um dia a dor passou. De vez em quando, ainda sou surpreendida por uma lembrança dele, uma palavra, uma piada. Mas não dói. Consegui reconstruir o amor, embora ainda fique assustada toda vez que meu marido demora para chegar em casa. Esta marca, de perder alguém que foi cedo, muito cedo, eu nunca apagarei. Mas a vida segue em frente, mostrando que a grande tristeza da morte é o tanto de vida que foi desperdiçada.

Viverei e aproveitarei a minha com todas as forças, por mim, por ele, e por todos aqueles que não podem mais**.

* Recusa, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação são, segundo uma médica americana, as cinco fases pela qual as pessoas passam quando descobrem-se a beira da morte.

** Ontem faleceu minha tia Thelma, esposa do meu tio Jano. Abraços carinhosos a todos que a conheceram e puderam desfrutar da sua alegre e prazeirosa companhia.

2 comentários:

  1. Achei lindo, Ana. Tô adorando seu blog. Leio todas. A mais triste não tive coragem de comentar. Saudades...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Idene! Obrigada pelo apoio e pelos comentários! Aquela história precisava sair do meu sistema. Não sei se você viu, mas eu tirei ela do ar, a pedidos de pessoas que eu gosto. Era meio íntima para deixar aberto para todos na internet... mas fico feliz que amigas queridas, como você, tiveram a chance de lê-la.
      Abraços, Ana.

      Excluir

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...