16 de agosto de 2012

Intercâmbio


Escrevi o texto abaixo em 1995, quando concorri à uma bolsa de intercâmbio na FIAT automóveis.


Intercâmbio

Mesmo partindo, vou levando na bagagem aqueles que amo e amei, na viagem sem volta que é a minha vida.

Junto às meias e camisetas, levo toda uma coleção de primeiros beijos. Não levo todos os suspiros e paixões porque a viagem não é tão longa, e pretendo viajar mais leve.  À bagagem de mão, acrescento a saudade de meus amigos próximos e de minha família, bem ao lado da dúvida se meu namoro vai sobreviver à distância. Pequenos pacotes para levar, grandes volumes para trazer de volta.

Trazer de volta... por mais longe que eu vá jamais sairei daqui. Levo, fisicamente, O Povo Brasileiro, livro de Darcy Ribeiro, mais como carteira de identidade do que como leitura de férias. A idéia de ser uma tupiniquin embarcando no turbilhão europeu ainda me assusta, então tenho no livro a âncora de minha miscigenação, o meu contato com o vernáculo pátrio, antes, o meu orgulho de ser uma brasileira cidadã do mundo.

Aí eu reabro a mala e começo a desfazê-la. Estou à mercê da vontade de outros, e eles me dizem que não vou mais. Por motivos que não me contam, não fui selecionada para a bolsa. Fico.

Tirar meu futuro de dentro da mala é doloroso. Tinha preparado cada cantinho, ajeitado cada detalhe, e parece que os objetos não vão caber de novo no armário. A importância de fatos já quase esquecidos  cai no chão e mistura-se com sonhos de última hora. Aproveito para jogar tudo no lixo. De repente, parece-me absurdo ter pensado em levá-los.

A incerteza do namoro sai da mala sozinha. Pula pelo quarto, não sossega, me acerta duas ou três vezes, até sentar-se na minha cabeça. E fica lá, incomodando.

Termino de guardar os medos e as esperanças na caixa de esqueletos atrás do armário e vou tomar banho e chorar.

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PS: para os curiosos, o namoro acabou mesmo, logo depois.

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