Escrevi o texto abaixo em 1995, quando concorri à uma bolsa de intercâmbio na FIAT automóveis.
Mesmo partindo, vou levando na bagagem aqueles que amo e
amei, na viagem sem volta que é a minha vida.
Junto às meias e
camisetas, levo toda uma coleção de primeiros beijos. Não levo todos os
suspiros e paixões porque a viagem não é tão longa, e pretendo viajar mais
leve. À bagagem de mão, acrescento a
saudade de meus amigos próximos e de minha família, bem ao lado da dúvida se
meu namoro vai sobreviver à distância. Pequenos pacotes para levar, grandes volumes para trazer de volta.
Trazer de volta... por
mais longe que eu vá jamais sairei daqui. Levo, fisicamente, O Povo
Brasileiro, livro de Darcy Ribeiro, mais como carteira de
identidade do que como leitura de férias. A idéia de ser uma tupiniquin
embarcando no turbilhão europeu ainda me assusta, então
tenho no livro a âncora de minha miscigenação, o meu contato com o vernáculo
pátrio, antes, o meu orgulho de ser uma brasileira cidadã do mundo.
Aí eu reabro a
mala e começo a desfazê-la. Estou à mercê da vontade de outros, e eles me dizem
que não vou mais. Por motivos que não me contam, não fui selecionada para a
bolsa. Fico.
Tirar meu futuro
de dentro da mala é doloroso. Tinha preparado cada cantinho, ajeitado cada
detalhe, e parece que os objetos não vão caber de novo no armário. A importância de
fatos já quase esquecidos cai no chão e mistura-se com sonhos de última hora. Aproveito para jogar
tudo no lixo. De repente, parece-me absurdo ter pensado em levá-los.
A incerteza do
namoro sai da mala sozinha. Pula pelo quarto, não sossega, me acerta duas ou
três vezes, até sentar-se na minha cabeça. E fica lá, incomodando.
Termino de
guardar os medos e as esperanças na caixa de esqueletos atrás do armário e vou
tomar banho e chorar.
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PS: para os curiosos, o namoro acabou mesmo, logo depois.
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