Capítulo 2: A Caminho
do Cemitério
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o caminho |
Quem nunca teve que atravessar um cemitério diariamente talvez não entenda porque eu não olho para os lados quando faço o percurso.
Nos primeiros dias,
você repara nas lápides, com uma curiosidade mórbida. Lê alguns nomes, acha uma
bonita, a outra simples demais. Fica imaginando quem escolheu a lápide. Quem
pôs as flores que estão murchando, quem cuida da restauração das que quebram.
Depois, você começa a
achar tudo meio estranho. O lugar está morto, como as pessoas enterradas alí.
Nada se mexe. Nada é diferente. Não é como passar em frente à lojas, parques.
Nestes lugares, tem sempre uma novidade, alguém rindo, uma coisa que você não
notou. No cemitério, até o tempo parece parar. Só você muda, passando lá todo
dia. Você está envelhecendo um dia por dia. E o cemitério não.
Por fim, você não
quer mais olhar. Só sente uma tristeza imensa, uma pena. Uma das lápides tem
escrito: “Adormecido”, e você pensa no pesadelo de ser enterrada viva. Não é
agrada ́vel. Você fica feliz de sair do caminho que passa dentro do cemitério, mas
sabe que amanhã você estará lá de novo.
Até quando, você se
pergunta, vou atravessar o cemitério? E a resposta é assustadora.

Eu andava pela grande cidade, que abarcava céu e terra com suas montanhas
de concreto. Pisava no asfalto e o cheiro de esgoto e suor parecia vir do
próprio ar.
Parecia-me que qualquer coisa em mim havia se misturado aos becos por onde já andara. Em cada espelho das vitrines, via-me distante. E eram tantos os espelhos, e eram tantas as luzes, que a iluminação da grande cidade não permitia que enxergasse direito.
Procurava em cada frase um sentido oblíquo e semântico, e interpretava olhares e gestos. A violência e a dor estampada em cada rosto, o cansaço e a tristeza em cada passo. Parecia-me ter perdido o início do espetáculo e o sentido do roteiro. Os atores da grande cidade são todos coadjuvantes.
Falavam-me numa língua estranha, que, por vezes, parecia entender. Captava apenas sons desconexos, que me lembravam velhas canções esquecidas e discursos repetitivos. Era impossível achar a poesia, a prosa e o conto na louca sinfonia de gritos e buzinas. Antes, parecia-me que gritavam a plenos pulmões a intolerância, a burrice, o engodo. Meus sorrisos deslocados eram recebidos com olhares de pena, e parecia-me que zombavam de mim. Perdia a esperança e compreendia que nada me importava, exceto a falta de tempo e a comida engolida no restaurante a quilo.
Atrás das pessoas nos pontos de ônibus, cartazes traziam a promessa da grande cidade de Marlboro, da Coca-Cola, do Jeans Levi’s. A grande cidade consome o sonho, compra o desejo e recebe o lotação abarrotado das 6 horas.
Acenavam para mim amigos e amores, e espantavam-se que eu não os reconhecesse, perdidos na massa que caminhava sem rumo pelos corredores de metal e cimento que surgiam em todo canto. Novos cantos aumentam a grande cidade a cada dia, parecendo que vai crescer para sempre, e para sempre não cabendo. Espanto-me em lembrar de várias versões de uma mesma avenida, em ver os trabalhadores enlouquecidos que martelam as paredes para derrubar e erguer, cavar e tapar, levantar e abaixar, trocar tudo do lugar. Na grande cidade, ficar parado é morrer.
E morrer é fácil, corriqueiro, estatístico. Milhares todos os dias, que deixam seus lugares vazios por alguns segundos. Uma bênção, um caixão, e a registradora apita que pode nascer mais um. Ou mais muitos. E a grande cidade nos avisa que não temos mais espaço para tristeza e saudade, sinto muito.
Na grande cidade os gestos e frases são reflexos das fomes e sedes do corpo. Os olhos fartam-se com a oferta de todos os doces, bebidas e salgados do mundo, ao alcance do cartão de crédito. Na grande cidade a fome é coletiva, a comida quase nunca.
Confundiam-se horas e minutos, embora todos fossem tarde demais. Via tantos correndo, alguns esperando, todos na fila infindável para fazer parte da vida. Na grande cidade o urgente jamais deixa tempo para o importante. Seguia em frente, na promessa de um dia parar. Parar de correr, parar de caminhar sem rumo, parar de lutar contra a distância e o tempo que se espalham e encolhem pela grande cidade. Mudaram-se os limites, as fronteiras, mas a cada manhã vou levantar e caminhar outra vez, no mesmo lugar.
Sigo só, e só continuarei, enquanto procuro razões para ficar.
Parecia-me que qualquer coisa em mim havia se misturado aos becos por onde já andara. Em cada espelho das vitrines, via-me distante. E eram tantos os espelhos, e eram tantas as luzes, que a iluminação da grande cidade não permitia que enxergasse direito.
Procurava em cada frase um sentido oblíquo e semântico, e interpretava olhares e gestos. A violência e a dor estampada em cada rosto, o cansaço e a tristeza em cada passo. Parecia-me ter perdido o início do espetáculo e o sentido do roteiro. Os atores da grande cidade são todos coadjuvantes.
Falavam-me numa língua estranha, que, por vezes, parecia entender. Captava apenas sons desconexos, que me lembravam velhas canções esquecidas e discursos repetitivos. Era impossível achar a poesia, a prosa e o conto na louca sinfonia de gritos e buzinas. Antes, parecia-me que gritavam a plenos pulmões a intolerância, a burrice, o engodo. Meus sorrisos deslocados eram recebidos com olhares de pena, e parecia-me que zombavam de mim. Perdia a esperança e compreendia que nada me importava, exceto a falta de tempo e a comida engolida no restaurante a quilo.
Atrás das pessoas nos pontos de ônibus, cartazes traziam a promessa da grande cidade de Marlboro, da Coca-Cola, do Jeans Levi’s. A grande cidade consome o sonho, compra o desejo e recebe o lotação abarrotado das 6 horas.
Acenavam para mim amigos e amores, e espantavam-se que eu não os reconhecesse, perdidos na massa que caminhava sem rumo pelos corredores de metal e cimento que surgiam em todo canto. Novos cantos aumentam a grande cidade a cada dia, parecendo que vai crescer para sempre, e para sempre não cabendo. Espanto-me em lembrar de várias versões de uma mesma avenida, em ver os trabalhadores enlouquecidos que martelam as paredes para derrubar e erguer, cavar e tapar, levantar e abaixar, trocar tudo do lugar. Na grande cidade, ficar parado é morrer.
E morrer é fácil, corriqueiro, estatístico. Milhares todos os dias, que deixam seus lugares vazios por alguns segundos. Uma bênção, um caixão, e a registradora apita que pode nascer mais um. Ou mais muitos. E a grande cidade nos avisa que não temos mais espaço para tristeza e saudade, sinto muito.
Na grande cidade os gestos e frases são reflexos das fomes e sedes do corpo. Os olhos fartam-se com a oferta de todos os doces, bebidas e salgados do mundo, ao alcance do cartão de crédito. Na grande cidade a fome é coletiva, a comida quase nunca.
Confundiam-se horas e minutos, embora todos fossem tarde demais. Via tantos correndo, alguns esperando, todos na fila infindável para fazer parte da vida. Na grande cidade o urgente jamais deixa tempo para o importante. Seguia em frente, na promessa de um dia parar. Parar de correr, parar de caminhar sem rumo, parar de lutar contra a distância e o tempo que se espalham e encolhem pela grande cidade. Mudaram-se os limites, as fronteiras, mas a cada manhã vou levantar e caminhar outra vez, no mesmo lugar.
Sigo só, e só continuarei, enquanto procuro razões para ficar.
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