21 de julho de 2013

Sempre é cedo demais - Capítulo 4

Estou postando um livro de contos que escrevi. O começo está aqui, depois aqui. O texto abaixo é um dos textos mais antigos que escrevi. Não sei porque gosto dele até hoje. É uma daquelas coisas que eu gostaria de explicar...

Capítulo 4: Biblioteca de Alexandria (1993)


Não é nada preocupante, ou mesmo perigoso. São apenas pequenas coisas que a gente gostaria de explicar um dia.

Como naquela vez que chegou, pelo correio, um cartão da Biblioteca de Alexandria, num envelope pardo, sem remetente, com meu nome escrito, à tinta preta, em caligrafia rebuscada e clássica.



Nenhum bilhete, explicação, nada. Apenas o cartão, antigo, escrito em grego. Peguei um velho dicionário, e descobri algumas palavras. Não tive ânimo para procurar alguém para traduzir o resto, ou comprovar a autenticidade do documento. Guardei em uma gaveta, com o respectivo envelope, e lá ele ficou até eu me mudar.

Então, me deparei com ele de novo. O espírito da mudança me mandava jogar fora o pedaço inútil de papel, mas, como a mesa de ping-pong e meu primeiro ursinho, ele foi ficando. Cataloguei-o junto com tudo. Ele foi "Documentos Diversos", "Bilhetes de Amigos", "Pendente", e, no dia em que o achei na pasta de "Contas Pagas", determinei-me a encontrar o motivo da minha repentina associação à uma biblioteca transformada em ruínas há séculos.

A primeira idéia seria traduzir o resto do misterioso cartão. Como não conheço ninguém que saiba grego o suficiente para ler um cartão de Biblioteca, fui ao Museu de História da minha cidade. Não, ninguém sabia. Escrevi para o consulado da Grécia e eles, muito gentis, disseram que eu deveria encaminhar o documento à eles e, em alguns meses, determinariam o texto e o período em que fôra escrito. Com preguiça desta demora toda e com a desculpa de que o documento era para mim "valioso e importante", não mandei. Voltou para a gaveta, na pasta de "Encalhes". Fingi que esqueci dele.

Um dia, minha vizinha me pediu para vê-lo. Não lembro se eu havia comentado com ela o motivo de minhas correspondências com a embaixada, ou se ela descobrira sozinha. Emprestei, já saturada do mistério, pensando seriamente em queimá-lo.

Não foi preciso, já que o cartão nunca retornou às minhas mãos. Se a vizinha enriqueceu com ele, ou se a filhinha dela transformou-o em papel picado, desconheço.
Mas isto, com certeza, não é nada preocupante, ou mesmo perigoso. São apenas pequenas coisas que a gente gostaria de explicar um dia...

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