10 de abril de 2013

A fórmula da Criatividade

O cérebro criativo é melhor?
A escola da minha filha mais velha (Alice, 6 anos) fez a reunião de início do ano.
Eu, que sempre fui contra decoreba na escola, aprendi nesta reunião por que decorar algo não é realmente produtivo.
A diretora acadêmica da escola, em um show de apresentação, mostrou que a memorização é a etapa menos complexa do processo de aprendizagem, que, se bem desenvolvido, pode evoluir nos cinco estágios a seguir:
1) Memorização (decorar);
2) Entendimento (compreender);
3) Aplicação (utilizar o que foi compreendido em uma situação prática);
4) Análise crítica (avaliar, criticar, observar falhas e vantagens); e
5) Criatividade (melhorar, modificar, aplicar em áreas correlatas).

Achei fantástica esta descrição, pois hoje em dia, criatividade é superestimada. Parece que a criatividade por si só é considerada o traço de personalidade mais importante que alguém pode ter. Mais do que, por exemplo, a persistência, dedicação, ou paciência (considerados "chatos" ou "muito trabalhosos").

Os cinco estágios descritos mostram claramente que a criatividade é sim, o melhor que se espera em um processo de aprendizagem, mas que, para chegar lá, é necessário o esforço e dedicação dos outros quatro.

Ao dar aulas na faculdade, vejo meus alunos enfrentando este dilema diariamente. A geração voltada para o "eu" (em inglês, I, como em iPhone, iPod, iPad), para o resultado instantâneo (Instagram, Facebook, mensagens de texto), que tem sérias dificuldades em cumprir as fases do entendimento e da análise crítica. Idealmente, para estes alunos, a ordem seria: memorização -> aplicação -> criatividade.

Mas a criatividade não chega, pois as etapas evitadas fazem falta. Exemplos na mídia de garotos de 17 anos vendendo programas por milhões ou de como nem Mark Zuckerberg, nem BIll Gates ou Steve Jobs terminaram a faculdade tornam o conceito de trabalho árduo e recompensador muito distante.

O que os jornalistas não mencionam nestas histórias é que todas estas pessoas trabalharam MUITO durante MUITOS anos para desenvolver as habilidades formais que as permitiram chegar onde chegaram, como mostra o excelente livro "Fora de série - Outliers". Tenho certeza de que na hora de escolher um médico ou advogado, qualquer um de nós prefere alguém que se dedicou por anos a adquirir conhecimento formal do que alguém sem formação e "criativo".

Então porque o mito do trabalho criativo rápido, fácil e lucrativo é muito mais divulgado? Porque estamos em um mundo onde o sucesso pessoal é visto como reflexo de quem você é, independente do ambiente, de onde você começou, das oportunidades que teve. Se o Bill Gates pode, você também pode, é a mensagem. Mas não através do trabalho duro, e sim através de alguma característica pessoal (gênio, brilhante, criativo, iluminado). Acreditar que o sucesso depende da faculdade que você cursa, ou da qualidade da sua escola de primeiro grau, ou até mesmo da cor da sua pele, faria com que tivéssemos que exigir condições iguais para todos. Do jeito que está, é cada um por si, pois a POSSIBILIDADE de sucesso existe para todos (mesmo que PROBABILIDADE seja mínima). É o sonho de ganhar na loteria, com uma capa moderna.

Voltando à criatividade, ainda há a confusão entre:
1) a criatividade produtiva (aquela que resulta em produtos, vendas, melhorias tecnológicas) e  artística (que resulta em quebra de paradigmas, desafio das normas vigentes); e
2) a criatividade "porra louca" (uso de substâncias ilegais, quebra de leis, não enquadramento "no sistema").

Miró no começo (+-1920)
Miró (1968)
A criatividade que vem do processo bem desenvolvido de aprendizagem é a produtiva e artística. Quem já teve a chance de ver trabalhos iniciais de grandes artistas, como Miró, percebe que ele começou no "básico" e foram muitos, muitos trabalhos, antes de atingir o "avançado". Picasso, Monet, Van Gogh e todos os grandes artistas pintaram muita porcaria antes de serem capazes de ser realmente inovadores. Conhecer o clássico é a única forma de criar o moderno.

Mas a criatividade "porra louca", essa é fácil. E é a criatividade defendida pelos adolescentes, e, às vezes, propagandeada como a próxima onda de trabalhos. No Google, dizem, você pode jogar videogame no trabalho, cortar seu cabelo ou até lavar sua roupa. A idéia é que para fazer grandes produtos, é preciso ser criativo, e ser criativo é ficar à toa, brincando. Não me espanta que meus alunos de programação não queiram estudar. O que a maioria das pessoas não percebe é que estas pessoas fariam todas estas coisas em casa, após o horário de trabalho. Agora, as empresas fornecem todos estes serviços para que elas não saiam do escritório. Estas maravilhas para quem trabalha na Google não é para fazer os funcionários felizes, ociosos e criativos; é para que eles possam trabalhar mais, sem interrupção. E todos que estão lá, são extremanente competentes, com uma excelente formação profissional.

O que me lembra uma história famosa (não sei se verdadeira),  sobre o cara que inventou a super-aspirina (e ganhou um Nobel por isto). Dizem que ele rabiscou a fórmula da super aspirina quando estava tomando cerveja em um boteco. Perguntaram a ele se isso era verdade. Ele disse que sim. Perguntaram para ele como se fazia este tipo de descoberta no boteco. Ele respondeu: primeiro você faz seu curso superior na melhor universidade do mundo na área de bioquímica. Depois você faz seu mestrado em bioquímica nesta universidade, tendo um prêmio Nobel como orientador. Depois você faz seu doutorado na mesma universidade, tendo outros dois prêmio Nobel como orientador e co-orientador. Aí, você senta no boteco, pede a cerveja, e inventa a super-aspirina.

Precisamos de criatividade sim. Mas, para atingí-la, a fórmula é dedicação, paciência e trabalho árduo.

4 comentários:

  1. Gostei muito deste texto. Acrescentaria que o mito que nos move, por trás de toda esta busca pelo suce$$o individual, é que a competição é um bem em si, que temos que estar preparados para competir e nao para cooperar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sem dúvida! A criatividade valorizada é sempre individual e individualista!

      Excluir
  2. Ana! Adorei o texto! Queria que o João tivesse condições de entendê-lo quando reclama do tempo que investe no "para casa" e nas aulas. Mas agora já tenho mais argumentos para dialogar com ele. Obrigada por compartilhar suas reflexões! Beijos, Lígia.

    ResponderExcluir
  3. Que bom que voce gostou! Aindaé cedo para eles entenderem o conceito completo, mas sei que mostramos o resultado para nossosnfilhos diariamente. A impaciencia é tipica da infancia... :))

    ResponderExcluir

A Última Guerra

 O último mês viu o nascimento do ChatGPT . Pela primeira vez, um programa de computador é capaz de responder à perguntas como um ser humano...