4 de agosto de 2020

Se eu tivesse tempo... perdia o medo da morte.

Hoje tive uma das melhores aventuras da minha vida. 

Era para ser simples: 49 minutos de bike daqui até a praia, por uma ciclovia asfaltada.

Melzinho na chupeta.

Retão, descida, tudo para dar certo. Certo?
Só que aí eu resolvi fazer gracinha. Começou a chover, e eu decidi "cortar caminho" por uma avenida:
Improvisando...

O que o Google Maps não sabe é que parte deste trajeto é uma trilha. No-meio-da-floresta. Na lama. Depois de chover. Muito.

Era para eu estar aqui...


... mas eu estou aqui.

Partes do trajeto eu fiz empurrando a bike. Já morrendo de medo de escorregar.
Finalmente, cheguei em um lugar para atravessar o rio, segundo o Google Maps. Mas ele não sabia que tinha chovido, né? Olha o que aconteceu com minha trilha:

Rio lamacento. Bóra?


Então dei outra volta pelo meio do nada, e finalmente cheguei na trilha certa. Aí foi maravilhoso: vento no cabelo, 16km/h de média, uma lindeza. O caminho segue o rio Don Valley, e é praticamente plano. Eu até vi umas estátuas estranhas muito legais no caminho.



Parece o Kamaji das Viagens de Chihiro

Foi cansativo mas foi muito legal! Depois de mais de uma hora, cheguei na Cherry Beach.




Comi uma barra de cereal, coloquei a bicicleta na marcha mais pesada, e me preparei para voltar. Mal sabia eu que a aventura havia apenas começado.

Na ida, eu tinha passado por umas 10 poças como essas: 



Eu tinha ido com cuidado, descido da bike, e uma das vezes até passei bem perto da beirada do rio. Coloquei a bicicleta no lado de fora e fui pro meio do mato lamacento. Pensei: "se for cair, cai a bicicleta..." Aí me dei conta que meu celular tava preso no guidon. Já estava pensando em como ia ligar para o Juliano com um celular emprestado já que eu não sei o número dele de cor, quando voltei para a trilha seca. Isso foi a ida.

Na volta, um senhor passa por mim, no gás total, e passa direto por cima das poças. Eu pensei: gente, eu que estou sendo muito tola. Tô de bike! Não tenho que ficar desviando de poça! E toca marcha 3x6 (a mais pesada), e chuuaaaaá! Minhas *costas* encharcam de lama. Eu não tinha imaginado que o pneu de *trás* ia jogar tudo nas minhas costas. A bike também encheu de lama, mas nessa altura eu já to me sentindo a Jane na selva, pernas cobertas de lama, tudo é festa.

Ando mais 40 minutos. O Google desgracento falando que falta 28 minutos há mais de 25 minutos. Começo a ficar realmente cansada. Já tem 2h que eu tô pedalando, e a lama seca na corrente da bicicleta começa a fazer estalos, barulhos, e pedalar vai ficando cada vez mais difícil. Não tenho mais água porque o pouco que tinha sobrado na garrafinha a lama cobriu.

Decido pegar a avenida Milwood e ir direto para casa, sem passar pelo parque. No mapa, dá para pegar a avenida bonito. Ao vivo é beeem diferente.

Mapa fofinho da mamãe.

Realidade cruel.

Ou seja, sem chance, a não ser que eu ponha o E.T. na minha cestinha. Então bora continuar pedalando. Já tou arfando, sem água, a perna começa a arder, sei que se não voltar para uma avenida onde possa pegar um ônibus para casa, vou ter que deitar no chão a qualquer momento.

Então eu chego na Eglinton. Quer dizer, quase chego. Tipo a Milwood, eu tô aqui embaixo, e a Eglinton tá lá em cima:



Mas o que nos separa não é o céu. É cascalho solto. Essa foto não dá a correta imagem do tamanho dessa coisa. E adivinhem o que eu decido fazer? Subir o morro, com a bicicleta.

Pausa para explicação do título e da razão (meio insana, confesso), para esta decisão. Ontem de madrugada terminei de ler o livro "The Subtle Art of Not Giving a F***", e aprendi demais com ele. Aprendi que a gente tem que escolher as dores que quer, não as alegrias. Tudo que presta nessa vida requer sacrifício. E são estes sacrifícios que fazem as coisas valerem a pena. Eu já tinha conquistado a floresta, o rio e a praia. Agora eu ia conquistar o morro. Respirei fundo, e comecei a arrastar a bicicleta morro acima.

Faltando uns dois metros, a inclinação fica bizarra. A bicicleta cai de lado, e eu quase vou junto. Caio de joelhos no chão, uma mão ralando toda nos pedregulhos, a outra agarrando o banco da bicicleta para ela não descer morro abaixo. Eu to hiperventilando, meio tonta, olho para baixo, e sei que, se tentar descer, chego lá embaixo rolando. Tenho que chegar no alto. Tiro força não sei de onde, e vou de gatinho até o alto do morro, alternando "Idiota, estúpida, ideia sem noção" com "URRRGGG".

Chego no topo. Gasto uns 10 minutos recuperando o fôlego, coração bate no pescoço, dor de cabeça, boca seca. Quando eu finalmente pego a avenida, lotada de carros e caminhões a mil, a corrente da bike solta no meio da descida. Paro no acostamento, conserto a corrente com a mão e "limpo" a graxa no tênis lamacento. Eu sou o Rambo.

Mais 10 minutos e chego no ponto de ônibus. Sim, ia levar mais 25 minutos para eu chegar em casa, e eu não tou nem andando mais. Ainda ponho a bike no rack na frente do ônibus, sento e espero os 5 minutos do ônibus, quase em êxtase. Consegui.

Sentada no ônibus com minha bike (azul) na frente.

Quando eu chego em casa, me sinto uma heroína. Eu podia olhar para trás e pensar que esta foi a pior volta de bicicleta da minha vida. Mas foi o contrário. Eu decidi meu caminho, minhas dores e meus desafios, e resolvi todos eles. Isso é a verdadeira felicidade.




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