12 de junho de 2013

Dia da árvore, do índio, da mulher, e outras barbaridades escolares


Inteligência, liderança, competência, não, né?
Acompanhando o (excelente) blog da Clara Averbuck sobre o dia da mulher, me peguei pensando na barbaridade que é o jeito que as escolas celebram estas datas comemorativas. (Outro post maravilhoso sobre o dia da mulher é o do Sakamoto.)

Especificamente no caso do dia da mulher, recebi de presente dos meus empregadores em uma faculdade aqui de BH um curso de auto-maquiagem da Mary Kay. Eu (e algumas outras professoras) ficamos entre sem jeito e meio fulas, uma vez que a mensagem do presente era:
- mulher TEM que ficar bonita
- não interessa se você é professora com doutorado, você QUER é ficar bonita
- você não vale nada para nós (o curso da Mary Kay é gratuito para todo mundo que quiser, é só ligar e marcar)

Sinceramente, podiam ter me dado um vale de R$5,00 em compra na Livraria Leitura que eu ficava feliz... Valorizava quem eu sou (professora, intelectual, etc), era simpático porque me deixava escolher, e, bom, não me ofendia.

As comemorações do dia das mulheres costuma ser das mais equivocadas em geral. Afinal, quantas pessoas sabem que este dia foi escolhido porque um grupo de mulheres grevistas morreram quando tacaram fogo nelas? Aonde que isso combina com ganhar rosas vermelhas?? Mas acho que o dia da Mulher ainda perde disparado para as comemorações do Dia do Indio em escolas de 1o e 2o grau.

Que fofinha, ne?
Será que ela foi expulsa das terras dela?
 Fuçando na internet, descobri que o Dia do Índio, 19 de abril, é celebrado nas escolas em respeito à lei federal nº 11.645, que torna obrigatório o ensino da cultura negra e indígena nas escolas públicas. Criada em 20 de dezembro de 1996 pelo Lula e pelo Haddad, diz que:

“Art. 26-A.  Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o  O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o  Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.”

De onde o pessoal entendeu que isto era a mesma coisa que pintar a cara com guache e fazer cocar de papel reciclado, eu não sei. Ah, peraí, já sei. No segundo parágrafo fica tudo explicado... "em especial nas áreas de educação artística e...". Isso mesmo, educação artística. Sobra para o professor de educação artística comemorar o dia do índio com as crianças. É verdade que tem a história dos índios e negros nos livros de História e Português, mas, no Dia do Índio, nunca vi ninguém chegar em casa contando uma lenda indígena, ou descobrindo que as ruas de Belo Horizonte (Guajajaras, Tupinambás, Tamóios, etc) são nomes de tribos. É só o cocar. E o guache. E, às vezes, um tambor e chocalho (oooo, humilhação!!!).

Devia ter uma lei para incentivar a consciência artística das crianças, mostrar arte de qualidade, ensinar técnicas variadas, mostrar as diversas correntes artísticas, do Renascentismo ao Modernismo, ao Cubismo e ao Abstrato. Mostrar o mundo enorme e vasto da arte, e da Literatura, e da História. Ficar ensinando nossas crianças a se pintarem de verde no dia da árvore, verde e amarelo no da pátria, de faixas coloridas no rosto no dia do Índio, de coelho na Páscoa é um desperdício... A lei devia pelo menos dar a idéia de mostrar pinturas rupestres, cestas e potes de cerâmica verdadeiros, (ainda que em foto ou filme).

Estas "comemorações" a toque de caixa, com pouca ou nenhuma verba, sem incentivo aos professores, só para governo ver, fazem um desserviço ao próprio tema. Banaliza. A repetição do cocar colorido, ou da rosa vermelha, tira a força da luta dos povos e mulheres que batalharam por seus direitos, e que deveriam ser lembrados neste dia. Me fale o nome de um único índio importante na história do Brasil. De uma feminista brasileira.

Até aprendermos a respeitar a luta do passado, era melhor mesmo a gente comemorar só o Dia da arvore, já que árvore não se ofende.

*****

PS.2: depois que publiquei o post, meu marido fez uma colocação muito boa: "No dia do índio as crianças pintam a cara, batem tambor, uma encenação infantilizadora. Queria ver a confusão que ia dar se alguém resolvesse pintar todas as crianças de negras no dia da Consciência Negra."
E eu imagino que esta diferença seja causada pela quase total ignorância que temos da verdadeira cultura indígena. A cultura negra está em todos nós. Mesmo que representada de maneira equivocada muitas vezes, os negros no Brasil são parte presente de todas as escolas, todas as famílias. Mas o índigena não. Não tem nem um indígena na escola para defender sua honra, sua dignidade, sua cultura.

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