30 de maio de 2015

Acima da Média

Esta semana o assunto entre as mães da turma da minha filha de 8 anos era o fato de que a escola parou de enviar um gráfico que mostrava as notas do seu filho comparada com a média da turma.

O ponto importante aqui é que a média neste caso era a média das notas dos alunos da turma, não a média para passar (15 em 25 no caso). Nos últimos dois anos, (1a e 2a série), as médias da turma era em torno de 22, ou seja, bem acima da média necessária para passar.

Eu me posicionei a favor da escola e comentei que tinha pedido que isto fosse feito no ano passado, porque vejo três grandes problemas com este gráfico:

1) Média é um lixo!

A média é uma medida muito pobre, como pode ser visto nesta tabela que eu criei com notas de 4 alunos (A, B, C e D) em quatro turmas (T1, T2, T3 e T4). As quatro turmas tem perfis completamente diferentes! Na primeira turma, todo mundo tirou a mesma nota. Na segunda, metade foi horrorosamente mal, enquanto metade foi perfeita. Na terceira turma, ninguém está muito bem ou mal e na última todo mundo está quase na média. Entretanto, todas as turmas tem a mesma média!

Média de quatro turmas, todas iguais a 15. As turmas são iguais?
Média só faz sentido quando os valores envolvidos estão dentro do que chamamos de "distribuição normal", ou seja, a maioria dos valores está próxima da média. Para calcular se a média faz sentido, foi inventada uma outra medida, chamada Desvio Padrão. O desvio padrão calcula o quão longe da média os valores em geral estão.

Com o desvio padrão melhora... um pouco.

Associando a Média e o Desvio Padrão já é mais claro o que está acontecendo! A T1 tem média de 15, mas seu desvio padrão é 0, ou seja, todo mundo tirou 15. Na turma 2, o desvio padrão é 15, ou seja, as notas variam de 0 (media - desvio padrão) a 30 (media + desvio padrão). A turma 3 é um pouco mais homogênea, e a turma 4 é ainda mais homogênea (quanto menor o desvio padrão, mais homogênea).

Ou seja, média sozinha não vale nada.

2) Quem está abaixo desta média da turma se sente mal na escola, desnecessariamente.

Crianças que tenham nota abaixo da "média" da turma, se sentem falhando. Mesmo que a nota seja bem maior do que o mínimo necessário para passar. Minha filha, por exemplo, ficou super chateada por ter tirado 21 em Artes, quando a média da turma foi 23. Eu expliquei para ela que notas acima de 16 já eram boas, acima de 20 eram excelentes, mas lá estava o gráfico, mostrando de forma clara para ela que ela estava "aquém".

E, como vimos acima, pela definição, se a distribuição for mais ou menos equilibrada, metade das crianças estará abaixo da média! Existirão crianças que, por motivos vários (serem mais novos, por exemplo), estarão abaixo da média da turma em todas as matérias, mesmo que tenham nota suficiente para passar de ano. Imagina a tristeza!

3) Para quê incentivar competição na educação?

"Se meu colega tira uma nota maior que a minha, ele aumenta a média, e eu posso ficar abaixo".
"Meu filho está sempre acima da média em todas as matérias".

Estes não são sentimentos bons. Nem úteis. Nossa sociedade complexa, desafiadora, e cada vez mais egoísta, não precisa que coloquemos mais lenha nesta fogueira.

Existe um ramo da matemática aplicada, chamado Teoria dos Jogos, que estuda situações estratégicas onde jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno.

Na Teoria dos Jogos, estratégias diferentes devem ser usadas para dois tipos diferentes de situações:
  • Zero sum games (Jogos com soma igual a zero): situações onde alguém só pode ganhar se outro perder. Competições esportivas, por exemplo, são "zero-sum", para alguém ganhar, o outro tem que perder.
  • Non-zero sum games (Jogos com soma diferente de zero): situações onde quando um ganha, outro também ganha, ou pelo menos não perde. Situações onde o todo é mais do que as partes. Cooperativas, mutirões, associações, são exemplos.
Educação é "non-zero sum", quando um ganha, todos ganham. Nossos filhos tem talentos especiais, únicos. Trabalhando juntos, ajudando os que tem mais dificuldade, todos ganham. Estimular competição neste tipo de situação só torna a vida de todos pior.

A maioria das escolas hoje defende (corretamente) que excelência nas notas não é previsão de sucesso, inteligência, ou qualquer outra forma de "superioridade". Ter um mínimo para passar é fundamental para avaliar o desenvolvimento da criança. Além disto, cada criança pode comparar as próprias notas ao longo dos bimestres para tentar melhorar em alguma disciplina.

Isto é uma comparação justa. A média não.

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PS: Obrigada, Maple Bear Santa Lúcia em BH, por ter feito esta mudança, que combina perfeitamente com os princípios construtivistas que a escola defende.

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