20 de outubro de 2013

Toda nudez será castigada, proibida, escondida. E o amor?

Fui hoje com meu marido e filhas à exposição "Elles: Mulheres Artistas na Coleção do Centro Pompidou" que esteve no Centro Cultura Banco do Brasil de Belo Horizonte de 28 de Agosto até hoje.

Uma obra me tocou profundamente. A série de fotografias intitulada "Heartbeat" (2000 - 2001) de Nan Goldin (alguns momentos da série foram colocados em baixa qualidade no YouTube aqui e aqui mas tem amostras melhores aqui e aqui).

Composta de 254 slides que são projetadas na parede enquanto Bjork canta ao fundo “Prayer of the heart”, de Sir John Tavener, cada slide captura momentos íntimos da vida da autora e de seus amigos. Espontâneos, reais, vivências de amor, sexo e família. São imagens belíssimas. As cenas de sexo são apaixonadas, sem retoques, sem photoshop ou silicone. Pessoas reais sentindo prazer e felicidade reais.

"Heartbeat" Nan Goldin (200-2001)


Devido ao fato de mostrar sexo explícito em boa parte das fotos (inclusive homosexual), a mostra é proibida para menores de 18 anos. Por este motivo, eu e meu marido nos revezamos para observar parte das fotos enquanto o outro ficava com nossas filhas de 7 anos e 1 ano e meio do lado de fora.

Eu sei que serei muito criticada por esta opinião, mas mas eu realmente não concordo com esta lei. Por que minha filha de 7 anos não pode ver fotos de pessoas se amando? Não tem nenhuma lei que impeça ela de ver fotos de uma pessoa batendo em outra. A maioria dos filmes infantis inclui dezenas de cenas de violência, muitas vezes gratuita, agressão verbal constante, morte, assassinato e crueldade. Mas ver duas pessoas que se amam fazendo sexo? NÃAAAOOOO!!

Eu SEI que a lei está aí para proteger que crianças tenham acesso à sites e revistas de pornografia, onde a representação do sexo é em geral degradante para a mulher, a violência sexual está explícita ou implícita na maioria das cenas. Mas, se eu mostrar para minha filha uma foto de um casal nu, como várias desta exposição, eu vou para a cadeia. Eu também SEI que uma criança não deve ser exposta a imagens para as quais ela ainda não está preparada, e que poderia criar uma representação ainda mais absurda na cabeça dela. É parte de nosso papel como pais e mães julgar se ela seria capaz de entender e se faria bem a ela.

Estou lendo o livro "O Mito da Beleza" de Naomi Wolf, brilhante, que detalha como nossa sociedade consumista depende de sermos insatisfeitos com nossos corpos, com nossa vida sexual, com nossos parceiros, para continuar vendendo cremes, iogurte light e pornografia*. Minhas filhas estão expostas à dezenas de corpos "perfeitos" em propagandas ubíquas, mulheres construídas digitalmente para não terem rugas, nem poros, nem alegria. Ia ser bom se elas pudessem, pelo menos uma vez, ver corpos reais, com celulite e cicatrizes, sem silicone nem maquiagem, em pleno ato de entrega, amor, felicidade plena.

Mas não podem. Não poderão até terem 18 anos. E com as atuais taxas de bulimia aos 16, de anorexia aos 14, de regimes alimentares aos 12, de auto-imagem distorcida aos 10, talvez seja tarde demais.

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* O livro é muito, muito mais do que isso! Tinha que ser dado na maternidade para toda bebê que fosse do sexo feminino. Aprendeu a ler? Pode começar por ele. Exemplos de dados do livro: a indústria pornográfica, que dissemina a visão predominantemente machista, dominadora e violenta do sexo, é maior e mais lucrativa que a indústria de filmes não pornográficos. Todos (sim, todos) os cremes de "rejuvenescimento" são ineficazes, ou seja, não fazem absolutamente nada, além de disseminar a ideia de que envelhecer para a mulher é perder seu valor, de que a beleza é seu único atributo importante, de que marcas de vivência são um pecado mortal. E muitas, muitas outras reflexões mais do que necessárias para toda mulher que já se olhou no espelho um dia.

7 comentários:

  1. Há algumas semanas eu estava lendo sobre a diferença na abordagem dos EUA e dos países do norte europeu em termos de exposição infantil (e adulta) à nudez e à violência, acho que você vai achar interessante: http://scandinavianinterlude.blogspot.com.br/2012/01/censorship-and-nudity-in-finland.html

    Bjos!

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    1. Oi, Felipe! Gostei muito do texto, que, junto com um livro sobre paises ateus no mundo, tem colocado a Finlandia na minha lista de paises onde eu tinha vontade de pedir exilio as vezes...

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  2. Assino embaixo disso aí. Há muita distorcão na forma como nossa cultura lida com a sexualidade, com o feminino, com a nudez... E tem que ser muito bobo mesmo para não enxergar como essas coisas se correlacionam com uma cacetada de problemas que vemos por aí (baixa auto-estima, violência sexual, justificativas para abuso etc.). Enfim: TABU, THE JOKE'S ON YOU!

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  3. Ainda em pornô, eu acho uma forma de entretenimento e de arte válida, desde que trate dos interesses da mulher também e não desvalorize sua posicão no processo. A Erika Lust lancou esse movimento do pornô feminista e tem feito coisas legais. Meu melhor amigo fez um roteiro de que ela gostou muito, e ela está gravando. Segue o link; http://xconfessions.com/a-well-known-dominatrix/

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    1. Oi, Aline. A questão da dominação como forma de desejo sexual (muito explorada pelos 50 Tons e seus clones) é discutida profundamente no Mito da Beleza. Eu confesso que até escrevi um post defendendo 50 Tons aqui no blog do qual discordo de mim mesma em vários pontos depois de ler o Mito... :) Acho que vou até escrever uma edição comentada do post para me redimir. Infelizmente, o pornô mainstream não é arte, é repetição da mesma fórmula: mulher indefesa, objeto sexual, embelezada artificialmente (o que são aquelas unhas e aqueles saltos???), sendo dominada e, em geral, subjugada. Não consigo mais curtir. Filmes como "O Amante" para mim são muito mais interessantes... Vou checar a Erika, quem sabe?

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    2. Ah, sim, já que estamos falando de feministas que gostam de S&M, vc conhece o blog da Greta Christina: http://freethoughtblogs.com/greta/
      Ela é feminista, lésbica, ex-garota de programa, escritora (e praticante) de S&M e atéia. Se esta não é uma coleção única, eu não sei o que é...

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    3. Ha! Não conheco, vou checar.

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